Revista Diáspora
Este artigo foi escrito por um colaborador convidado e reflete apenas as visões do autor.

No dia 16 de outubro, acadêmicos e pesquisadores especialistas em Palestina/Israel publicaram uma carta aberta (https://sites.google.com/view/scholarsofpalestineopenletter/home), manifestando preocupação com a cobertura do conflito por parte da grande mídia norte-americana. Os pontos que os pesquisadores levantam podem muito bem ser aplicados para a realidade do jornalismo brasileiro; por isso, ressoamos suas palavras aqui.

Nós, estudiosos que temos dedicado nossas vidas profissionais a estudar a Palestina/Israel e explicar a estudantes e ao público em geral sobre a região, estamos profundamente preocupados pela cobertura que temos testemunhado na grande impressa e mídia televisiva dos Estados Unidos.

Do tema da CNN “Israel em Guerra”, que adota abertamente a perspectiva israelense e omite Gaza do quadro, à repetição e difusão das infundadas alegações de estupros de mulheres israelenses ou decapitações de bebês israelenses, nós não havíamos testemunhado um jornalismo tão acrítico e irresponsável desde o rescaldo do 11 de Setembro e os preparativos para a invasão do Iraque.

Só com base nessa experiência, para não falar de bom senso e integridade profissional básica, deveríamos compreender o quão perigosa pode ser essa cobertura inflamatória e desumanizante.

Esperamos que vocês compartilhem da nossa crença de que, no seu melhor, o jornalismo é inabalavelmente crítico e cético, especialmente em relação aos poderosos e especialmente em tempos de guerra. É aí que o jornalismo cumpre o seu papel democrático vital como Quarto Poder, permitindo-nos fazer escolhas políticas inteligentes com base em conhecimentos sólidos e numa perspectiva fundamentada.

Vocês têm o conhecimento e os recursos para informar com responsabilidade sobre esse assunto. Muitos de vocês investigaram o assassinato em 2022 da jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh pelo exército israelense e sabem o quão mentirosos os militares israelenses e outros funcionários do governo podem ser.

Onde está o seu ceticismo hoje, quando mais precisamos dele? Por que não estamos vendo praticamente nenhuma oposição jornalística nem questionamentos investigativos de autoridades israelenses que propagam afirmações lúgubres e infundadas usadas para justificar crimes de guerra em Gaza?

É bastante evidente para nós que o governo israelense está tentando condicionar a opinião pública ocidental para aceitar um ataque violento contra a Faixa de Gaza que já matou mais de 2.750 palestinianos, incluindo pelo menos 1.030 crianças.

A premissa inquestionável de que os palestinos “não foram provocados” – quando na verdade Israel matou mais de 250 palestinianos, incluindo 47 crianças, só em 2023 – contribui para a desumanização que permite a continuação dos crimes de guerra contra civis.

Haverá tempo suficiente para investigar por que razão vocês não reportaram nem denunciaram as décadas de violência e destruição de vidas palestinas perpetradas por Israel antes do último sábado, por que parecem ter poucos ou nenhum repórter no terreno em Gaza para documentar o sofrimento ali, e por que razão parecem relutantes em encontrar espaço para os palestinos partilharem as suas próprias experiências e perspectivas com o seu público.

Mas o imperativo urgente agora é acalmar os tambores daquilo que ameaça ser uma guerra catastrófica para todos os envolvidos, e não os amplificar. Onze dos seus colegas jornalistas palestinos já foram mortos por Israel desde o dia 7 de Outubro, e muitas mais vozes palestinas serão silenciadas para sempre nos próximos dias.

 

Nós pedimos agora que parem com as suas reportagens acríticas sobre a violência israelense contra o povo palestino e façam o seu trabalho agora e não simplesmente lamentem a sua cumplicidade nos assassinatos em massa de palestinos daqui a uma década. Aqui estão quatro passos concretos que pedimos que vocês executem imediatamente:

  • Trazer às autoridades israelenses o mesmo ceticismo e as mesmas perguntas difíceis que vocês fariam às autoridades dos EUA e outras autoridades e se recusar a repetir as suas alegações infundadas ou enquadramentos tendenciosos.
  • Incluir o contexto crítico dos mais de 50 anos de ocupação militar israelense de Gaza e dos 16 anos de cerco sufocante israelense – os quais têm sido repetidamente condenados pela ONU e por grupos de direitos humanos como punição coletiva e ilegal.
  • Incluir vozes palestinas em todas as suas reportagens.
  • Quando receberem convidados palestinos, muitos dos quais estão de luto por familiares perdidos, parem de usar a maior parte do seu tempo de transmissão para insistir em denúncias de “terrorismo” ou do Hamas como uma pré-condição virtual para a discussão; muitos palestinos desaprovam ambos e enquadram as questões de forma diferente, e os seus telespectadores/leitores nunca se beneficiarão verdadeiramente das perspectivas palestinas se eles nunca, efetivamente, tiverem a oportunidade de ouvi-las.

Nós não ignoramos nem deixamos de apreciar os relatórios e análises perspicazes ocasionais que vocês e suas organizações têm fornecido. Nós precisamos que vocês sejam muito mais consistentes e oferecemos a nossa cooperação e apoio para ajudá-los a alcançar esse objetivo – para o bem do seu público americano e para o bem dos povos da Palestina/Israel.

 Assinado,

Lila Abu-Lughod, Buttenweiser Professor of Social Science, Columbia University

Walid Afifi, Professor of Communications, University of California Santa Barbara 

Nadje Al-Ali, Professor of Anthropology and Middle East Studies, Brown University 

Evelyn Alsultany, Professor, University of Southern California

Sa’ed Atshan, Associate Professor of Peace and Conflict Studies and Anthropology, Swarthmore College

Khalil Barhoum, Stanford University

Moustafa Bayoumi, Professor, City University of New York – Brooklyn College

Hatem Bazian, Lecturer, Middle Eastern Languages and Cultures, University of California Berkeley

Joel Beinin, Donald J. McLachlan Professor of History and Professor of Middle East History, Emeritus, Stanford University

Nina Berman, Professor of Journalism, Columbia University

Amahl Bishara, Associate Professor, Anthropology, Tufts University

George Bisharat, The Honorable Raymond L. Sullivan Professor of Law, University of California College of the Law, San Francisco 

Paula Chakravartty, James Weldon Johnson Associate Professor of Media Studies, New York University

Omar Dajani, Professor of Law, McGeorge School of Law

Karam Dana, Alyson McGregor Distinguished Professor of Excellence and Transformative Research, University of Washington, Bothell

Beshara Doumani, Mahmoud Darwish Professor of Palestinian Studies, Brown University

Julia Elyachar, Associate Professor of Anthropology, Princeton University

Noura Erakat, Associate Professor, Africana Studies and Program in Criminal Justice, Rutgers University New Brunswick

Richard Falk, Professor of International Law, Emeritus, Princeton University

Leila Farsakh, Professor of Political Science, University of Massachusetts Boston

Keith Feldman, Associate Professor, University of California Berkeley

Gary Fields, Professor of Communications, University of California San Diego

Lisa Hajjar, Professor of Sociology, University of California Santa Barbara

Rosina Hassoun, Professor of Anthropology, Saginaw Valley State University

Mahmood Ibrahim, Emeritus Professor of History, Cal Poly, Pomona

Rashid Khalidi, Edward Said Professor of Modern Arab Studies

Darryl Li, Associate Professor, Anthropology, University of Chicago

Zachary Lockman, Professor of Middle Eastern and Islamic Studies and of History, New York University

Alex Lubin, Professor of African American Studies, Pennsylvania State University

Sunaina Maira, Professor, Asian American Studies, University of California Davis

Saree Makdisi, Professor of English and Comparative Literature, University of California Los Angeles

Ussama Makdisi, Chancellor’s Chair and Professor of History, University of California Berkeley

Melani McAllister, Professor of American Studies and International Affairs, George Washington University

Maya Mikdashi, Associate Professor, Rutgers University

Timothy Mitchell, Professor, Columbia University

Nadine Nader, Professor, Gender and Women’s Studies, University of Illinois Chicago

Maha Nassar, Modern Middle East History and Islamic Studies, University of Arizona

David Palumbo-Liu, Louise Hewlett Nixon Professor, Stanford University

Janice Peck, Professor Emerita, Media Studies, University of Colorado Boulder

Julie Peteet, Emerita Professor of Anthropology, University of Louisville

Rush Rehm, Professor, Theater and Classics, Stanford University

Sara Roy, Associate of the Center for Middle Eastern Studies, Harvard University

Wadie Said, Professor of Law, University of Colorado School of Law

Sherene Seikaly, Associate Professor of History, University of California, Santa Barbara

Abdel Razzaq Takriti, Arab-American Educational Foundation Chair in Modern Arab History and Founding Director of the AAEF Center for Arab Studies, University of Houston

Helga Tawil-Souri, Associate Professor, New York University

William Youmans, Associate Professor, George Washington University

*Afiliações institucionais apenas para fins de identificação

Para saber mais:

No dia 16 de outubro, acadêmicos e pesquisadores especialistas em Palestina/Israe publicaram uma carta aberta
(https://sites.google.com/view/scholarsofpalestineopenletter/home), manifestando preocupação com a cobertura do conflito por parte da grande mídia norte-americana. Os
pontos que os pesquisadores levantam podem muito bem ser aplicados para a realidade do jornalismo brasileiro; por isso, ressoamos suas palavras aqui.

 

https://sites.google.com/view/scholarsofpalestineopenletter/home

 

 

Sobre a autora:

Tradução: Helena de Morais Manfrinato Othman, doutora em Antropologia Social pela
USP e atualmente pesquisadora associada do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (CEBRAP).

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