Revista Diáspora
Este artigo foi escrito por um colaborador convidado e reflete apenas as visões do autor.

NEPLA e GRACIAS

Em decorrência dos atuais eventos que tomaram lugar no Oriente Médio, antropólogos brasileiros que trabalham com Palestina/palestinos ou Oriente Médio/Norte da África e suas diásporas, por meio desta nota, expressam seu absoluto lamento por toda e qualquer perda de vida humana.

Entendemos que, embora as consequências sejam absolutamente lamentáveis, a ações do dia 7 de outubro, protagonizadas pelo Hamas, não acontecem em um vácuo contextual. A Palestina, em sua história recente, tem sido sujeita a projetos e políticas coloniais há décadas, a partir de um projeto colonial que visa a dominação e expulsão da população local, com vistas à reposição demográfica por grupos estrangeiros. Neste sentido, o ano de 1948 torna-se um marco temporal importante, dada a criação do Estado de Israel em território palestino, através de um plano de partilha proposto pela ONU, sobre o qual a população palestina local jamais fora consultada. Nesta época, em função da expansão e dominação do recém-criado Estado israelense, tem-se o início do refúgio palestino que, segundo a UNRWA (agência da ONU para refugiados palestinos), contabiliza cerca de 5.9 milhões nos dias atuais. Também, a partir do ano de 1967, o Estado de Israel implementa o controle militar de todos os territórios palestinos, a saber, de Jerusalém (até então um corpus separatum perante as Nações Unidas e, atualmente, reconhecida como “cidade ocupada”), da Cisjordânia e, também, da Faixa de Gaza.

Embora a Autoridade Palestina, surgida nos anos 1990, exerça alguma autonomia e áreas específicas da Cisjordânia, o controle de todos os recursos – naturais, financeiros,
alimentícios, medicamentosos, rodoviário, entre outros – está, ainda, a cargo do Estado israelense, caracterizando a chamada Ocupação dos Territórios Palestinos. Além disto, a
presença e controle militar israelense na Cisjordânia é massiva, à parte da instalação e ampliação dos assentamentos da região e da instalação e manutenção de muros que separam espaços e de malha rodoviária específica para colonos. Todos estes pontos são abertamente condenados pela comunidade internacional, principalmente através de resoluções e normativas emitidas pela Assembleia Geral e Conselho de Segurança da ONU. Até a presente data, observa-se que o Estado de Israel jamais cumprira quaisquer destas. A Faixa de Gaza, centro das atenções neste momento, fora desocupada e teve os assentamentos retirados no ano de 2005, contudo, desde 2007, o espaço encontra-se bloqueado pelo Estado de Israel, que mantém controle total e absoluto da região. O Estado de Israel, neste sentido, tem total controle dos recursos energéticos e comunicacionais (vide a capacidade de cortar a energia elétrica e suspender meios de comunicação como telefonia e internet), recursos naturais, atividades pesqueiras, entrada e saída de bens gerais (alimentícios, medicamentosos e outros), além de impor restrições burocráticas sobre o trânsito de sujeitos para dentro e fora deste espaço.

Contamos, neste sentido, com antropólogos brasileiros que desenvolvem trabalho de campo in loco na Palestina e em países da região há anos, consolidando material etnográfico potente e capaz de atestar as dinâmicas sociais produzidas a partir de um contexto de ocupação militar, levado a cabo por projetos coloniais. Isto posto, os assinantes desta carta, considerando-se o contexto em que os eventos recentes tomam corpo e, a partir de suas pesquisas, que discutem direta ou indiretamente processos de colonização e opressão de minorias, enxergam com preocupação e repúdio a utilização de discursos voltados ao “direito de defesa” e “resposta” para legitimar o extermínio da população palestina que até o dia 19 de Novembro de 2023 já soma mais de 12 mil mortos e 30 mil feridos em Gaza, sendo mais da metade formada por mulheres e crianças, além do deslocamento de mais de 1.7 milhão de pessoas.

É importante resistir a representações sobre Israel/Palestina que circulam nas mídias e debate público onde, contrariamente ao humanismo, a ideia de “humano” tem sido
sequestrada, entre outros, por neonacionalismos que pleiteiam que “humanidade” só existe nos parâmetros de valores europeus. Como consequência, palestinos têm sido vilificados, desprovidos de humanidade, construídos como animais violentos que escaparam de suas jaulas e que devem lá permanecer ou serem mortos. Assombrosamente, essa proposta se assemelha em muito àquela do partido Nazista de criar um estado judaico em Madagascar; um estado policial mantido pelos próprios nazistas. Para quebrar o ciclo de violência, não há outra possibilidade senão reconhecer que violência não apenas quase nunca é justificada, mas também que, como apontou António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, violência gera violência. Neste contexto, o único caminho possível para assegurar uma humanidade que cultive a vida para além de clivagens sociais é o fim da ocupação israelense na Palestina. 

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