Sem uma política institucional adequada, refugiados sírios e palestinos dividem ocupação sem teto em São Paulo.
Por Alexandre Facciolla
Ao subir pelas escadas do prédio de dez andares com o elevador constantemente quebrado da ocupação Leila Khaled, organizada pelo movimento Terra Livre juntamente com o Mopat (Movimento Palestina para Todos), no bairro da Liberdade (SP), a impressão que se tem é de tranquilidade. Ao contrário dos dias de semana (quando os habitantes são constantemente procurados por jornalistas atrás de opiniões sobre os acontecimentos na guerra civil síria), os domingos têm sido o único momento de descanso para os cerca de cem refugiados – quase todos palestinos que moravam ou nasceram nos campos de refugiados. Há mais de três meses sem assistência direta do Estado, compartilham apartamentos, sonhos de emprego e experiências de choque cultural causadas por uma adaptação às pressas nos valores brasileiros.
Entre novas e antigas angústias que carregam consigo, a busca por trabalho é a que mais preocupa os novos habitantes da capital paulista. Os espaços de 50 metros quadrados dos quartos – a maioria sem divisórias – são divididos por pessoas com os mais variados passados, opiniões e formações, desde aqueles sem nenhuma formação superior, como barbeiros e cozinheiros, até um ex-gerente de hotel de luxo em Abu Dhabi (Dubai) e um designer de interiores e professor de escultura. Sejam especializados ou não, as oportunidades que lhes aparecem invariavelmente estão relacionadas com o setor de bares e restaurantes de comida árabe, um nicho encontrado e desenvolvido por imigrantes sírio-libaneses que estão na cidade há duas ou três gerações.
É o caso do sírio-palestino Rami Othman, de 30 anos, por exemplo. Cabeleireiro com mais de cinco anos de experiência, ele vive há oito meses na ocupação. A trajetória de fuga dos conflitos de Othman teve início quase que ao mesmo tempo que a guerra, em 2011. Por um ano e meio ele se refugiou no Líbano, pois a maior parte do campo de refugiados Yarmouk, no qual morava, fora destruído. Exatos quatro anos após o início da guerra civil, em 20 de março de 2015, ele chegava em São Paulo em busca de oportunidades e a pedido do irmão.
Hoje ele trabalha como cabeleireiro durante a semana em uma barbearia no bairro do Sacomã. A irmã e a mãe ainda estão na Síria. Enquanto ajuda o irmão (chefe de cozinha) a servir petiscos árabes como faláfel e homus em um bar (foto ao lado) com música ao vivo no bairro do bexiga, ele conta que “os brasileiros foram muito receptivos, tanto pessoalmente quanto com meu trabalho”.
Celular na mão
Em um smartphone bastante usado, Rami mostra à reportagem fotos enviadas por seus amigos que ainda vivem sua cidade natal. Yarmouk já teve 200 mil habitantes. Hoje, com 10% da população, apenas prédios destruídos e escrombos tomam conta da pequena tela. Para a maioria dos estrangeiros na ocupação, os aparelhos móveis são itens indispensáveis para obter informações. Todos eles utilizam a ferramenta para conversar e ter notícias de amigos e parentes que ficaram no território deflagrado.
O artista plástico e músico Abed Alsalm_Alsyyed, de 53 anos, recebeu DIASPORA em um dia de semana, quando ele começara a trabalhar como designer de interiores há exatos dois dias em um escritório na zona oeste da capital paulista. Antes, ele assava doces em um forno potente instalado no ambiente aberto do apartamento (apenas alguns apartamentos com crianças têm tapumes nos quartos).
De cabelos encaracolados e aparentando cansaço do dia de trabalho, Abed tira o paletó enquanto mostra alguns de seus trabalhos e fuma cigarros paraguaios um atrás do outro. Ele responde com toda a paciência às perguntas digitadas e traduzidas por um serviço de internet de seu celular. É com ele que Abed conversa com a filha, que também é artista plástica na Síria. Segundo ele, “essa guerra suja e a imigração forçada têm o consentimento do presidente”.
Partindo de uma análise pró regime, o refugiado sírio e único não palestino do prédio, Jad AbDulhamid, de 40 anos, é um personagem à parte. Mesmo expulso por conta da guerra, ele é talvez o único morador do prédio que não só defende o regime de Bashar Al Assad, como afirma que “amo meu presidente”. Segundo ele, que mora no Brasil há cinco meses – dos quais três na ocupação – a principal hipótese para a continuidade da guerra é que “Israel quer que a Síria seja enfraquecida”.
Dificuldades com a velha comunidade
Sempre sorridente e com um desenho de leão* acima de sua cama (“sou do signo de leão”), Jad apontou uma reclamação: há um certo preconceito por parte dos árabes já estabelecidos na cidade, pois se aproveitam da dificuldade de comunicação e da situação instável dos refugiados para contratá-los por salários muito baixos. Ele, que afirma ter sido gerente de hotel em Dubai por 8 anos, chegou a trabalhar 11 horas por dia, sem descanso, por R$ 1 mil. Agora, ele acredita que está melhor, trabalhando como gerente em um restaurante árabe na avenida Paulista, centro da capital.
O jovem Mohand (foto ao lado, no centro), de 22 anos, passou por uma situação bem parecida. Após a morte do pai, taxista que foi atingido por uma bomba, ele resolveu partir sem conhecer nada ou ninguém no Brasil. Segundo Mohand, apesar do medo de ficar muito tempo sem trabalho, ele diz não querer trabalhar em nenhum lugar árabe. Isso porque trabalhou alguns meses para empresários libaneses que simplesmente não pagavam a mão de obra. Hoje, vive com sua mãe, irmã pequena e o irmão na pequena comunidade palestino-sírio que tenta se reerguer.
Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, organizações religiosas como Mesquitas e Igrejas Cristãs ligadas à comunidade árabe organizam o acolhimento e doações para os recém-chegados refugiados sírios.