Por Liza Dumovich

 A DIASPORA é para muitos. Sua raison d’être são os novos desafios humanitários e teóricos apresentados pela intensificação dos fluxos migratórios e da necessidade de refúgio enquanto dimensão fundamental da globalização. Numa era em que povos do Oriente Médio e do Norte da África protagonizam esse processo e, por conseguinte, o imaginário global sobre a alteridade, a Revista quer traduzir os esplendores da diversidade cultural dessas regiões, ao tornar suas diferenças familiares. Se os deslocamentos de coletividades implicam a circulação de ideias, conhecimentos e informação, a Revista se insere nesse movimento e contribui na forma de uma publicação livre, independente e colaborativa. Trata-se de um espaço de difusão e democratização de produções acadêmicas, jornalísticas e artísticas que apontem para a reconfiguração das noções de fronteira e identidade, dos significados de liberdade e cidadania.

O primeiro número da Revista DIASPORA contemplou um dos países mais afetados na atual e maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial, a Síria. Colunas e matérias focadas em diversos aspectos da situação síria traçaram um pequeno panorama da política interna e externa do país, das estratégias de sobrevivência identitária e cultural e da complexidade das questões que envolvem o refúgio sírio no Brasil.

Esse segundo número alarga seu escopo histórico até a Primeira Guerra Mundial e abrange uma outra catástrofe de repercussões globais e persistentes, que Hannah Arendt chamou de crise dos povos sem Estado. A Questão Palestina é o grande exemplo das consequências do colonialismo e da repartição de terras que se seguiram à Guerra. A entrevista concedida à DIASPORA pelo antropólogo Leonardo Schiocchet traz a Palestina Histórica à cena contemporânea e assenta o debate no Brasil. Embora diferente em muitos aspectos, o Curdistão compartilha com a Palestina essa desvantagem determinante na era dos Estados-nação. No entanto, Ana Paula Massadar Morel nos apresenta um movimento libertário curdo que não tem o Estado, pelo menos na sua forma política contemporânea, como objetivo de sua luta.

Sobre coletividades fora de suas casas, em busca de novos projetos de vida, também nos fala Monique Sochaczewski Goldfeld, porém, a partir de outra perspectiva. A pesquisadora nos conduz pelo Museu da Imigração do Estado de São Paulo e nos lembra de que a memória também é feita de exclusões e apagamentos. Enquanto as diásporas europeias e a japonesa no Brasil são cuidadosamente representadas no Museu, as diásporas provenientes de diferentes territórios antes sob domínio do Império Otomano foram silenciadas. Dentre os imigrantes de fala e cultura árabe, estão os libaneses, cuja integração na sociedade brasileira foi, e ainda é, reconhecidamente bem sucedida.

Outro efeito sociopolítico das duas guerras mundiais e dos projetos colonialistas que a elas se seguiram, foi a espiral de tensões entre imperativos liberais europeus e valores religiosos  das populações muçulmanas sob protetorados franceses e ingleses. A crença na totalidade de uma liberdade de imprensa, de um lado, e as interpretações cognitivas e emocionais de uma figura sacra, de outro, compõem uma das arenas simbólicas onde um “Ocidente” laico se encontra com um “Oriente” fiel. Sobre os limites do que é sagrado para cada uma dessas partes, o antropólogo Bruno Bartel nos traz uma reflexão baseada em seu trabalho de campo no Marrocos. O atentado ao periódico Charlie Hebdo e suas repercussões no país de maioria muçulmana e ex-protetorado francês é o seu ponto de partida. Enquanto Bartel aponta para negociações entre posições seculares e pertencimento religioso, a editora da Revista DIASPORA Ana Maria Raietparvar relativiza as diferenças, que o senso comum crê irreconciliáveis, entre as duas principais divisões sectárias do islã: o sunismo e o xiismo. Ela discorre sobre as origens dessa distinção e alerta para o perigo dos reducionismos e das visões estereotipadas que costumam acompanhar os debates sobre conflitos no Oriente Médio.

Ainda numa menção a ex-protetorados franceses e, ao mesmo tempo, num contraponto ao esquecimento de que fala Goldfeld, a jornalista Leila Lak nos apresenta duas histórias em que a arte conecta o Rio de Janeiro a Beirute. Numa delas, um documentarista britânico, radicado no Brasil, acompanha a jornada de uma banda de blues da capital libanesa pela cena musical americana. Na outra, uma artista plástica deixa o Líbano para viver uma experiência criativa em meio à natureza carioca.

A Revista DIASPORA  convida então o leitor a viajar da América Latina ao Oriente Médio, através de suas narrativas em movimento.

Sobre a autora:

 

Liza Dumovich é Antropóloga e Coeditora da REVISTA DIASPORA.

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