Conexão artística entre Beirute e o Rio de Janeiro


Por Leila lak


Carla Barchini, artista greco-libanesa, mudou com sua família para a Europa durante a Guerra Civil do Líbano, em 1975. Como muitos da sua geração crescendo no exílio, ela sonhava em um dia poder voltar à sua terra natal. Quando finalmente se mudou de volta para o Líbano, em 2013, ela realizou sua primeira mostra individual e, desde então, tem crescido como artista e exposto o seu trabalho também em diversas mostras coletivas.Carla Barchini Photo

Atualmente, Barchini é artista residente no Largo das Artes/Despina, no Rio de Janeiro, e sente que seu trabalho na cidade está sendo muito influenciado pela natureza que a cerca.

Carla Barchini passou seus anos de formação artística em Florença, estudando restauração de móveis e madeiras antigas. Ela refinou essa prática e a estudou dentro do contexto da arte renascentista, adquirindo habilidades que até hoje usa em composições com a sua técnica original, a pintura. “Eu escolhi esse tipo de arte e técnica por ser muito direto,” diz Barchini. “Tocar a madeira, trabalhar com a madeira, esculpir e dourar.” Seu trabalho não trata apenas da peça final, mas do processo de produção. “Todas as minhas peças têm uma coisa em comum umas com as outras, todas têm uma história por trás,” ela diz.

O material que ela utiliza é recolhido na natureza e em locais de construção – pedaços de madeira que ela encontra na carpintaria do seu pai ou nos jardins da sua residência no Cosme Velho. A artista procura objetos que signifiquem algo para ela, que ela possa limpar, moldar e pintar. “Mais do que o trabalho em si, se trata da história de onde encontrei o objeto,” diz Barchini. “Por que eu o peguei? O que ele diz? Essas questões estão ligadas a tudo em que eu trabalho.”

Ao se mudar de Florença para Beirute, Barchini rapidamente imergiu na cidade de sua infância.

“Eu voltei para o Líbano com o sonho de encontrar um lar para redescobrir minhas raízes.”

 Ela acabou encontrando objetos que permaneceram na casa de sua avó ou nas terras de seu pai, objetos que lhe permitiram produzir trabalhos que, segundo ela, a levaram de volta à sua própria história de vida.

Beirute é uma cidade onde, frequentemente, há escassez de água, cortes de eletricidade e um tráfego intenso. Uma cidade sinuosa entre as montanhas e o mar, onde o caos e a guerra deixaram marcas. Beirute é uma cidade que captura a imaginação e atrai uma cena artística vibrante. “Muitas vezes fico presa no trânsito e, então, um dia comecei a desconstruir os carros na minha cabeça,” diz Barchini. “Eu criei meu primeiro trabalho nessa época. Eu fiz um tapete do teto de um carro e o chamei de tapete voador.” O carro, ela o encontrou num local de construção. A artista conta que, frequentemente, trabalha com objetos grandes e pesados, objetos que não têm mais valor, mas que lhe são caros e aos quais ela confere uma segunda vida.

1. Beirut Wings - 2014 Mixed technique on car parts 135x88 (x2) (1)2. Flying Carpet II - 2015 oil based paint on car's roof top (repetition of the same pattern) 122x144cm3. Beyrouth - 2014 Mixed media on wood 125x120cm

4. Recollection - 2014 Mixed media on wood-rusty iron 74x60cm5. Undisclosed desire 2014 Mixed media on wood 110x190cm6. Shadow - 2015 Mixed media on wood 172x41cm

Quando ela veio ao Rio, decidiu não pesquisar a cidade. Claro que ela visitou o Cristo Redentor, o oceano, a natureza, mas ela queria descobrir a cidade e permitir que seus sentidos se encarregassem da descoberta. “Eu estou no meio do processo de me apaixonar pelo Rio,” diz. “Faz um mês que cheguei e, a cada dia, eu me torno mais e mais fascinada pela natureza e pela caótica harmonia existente aqui.” “Para mim, Beirute é totalmente diferente, uma vez que a guerra está sempre presente. A guerra mudou as pessoas lá e distorceu a natureza ao nosso redor. Aqui no Rio, há uma sensação de harmonia, já que é a natureza que direciona a cidade.”Barchini viajou muito, viveu em vários países e conheceu a diáspora libanesa em todo o mundo. O que a surpreende no Brasil é que, completamente diferente dos outros lugares, aqui a diáspora se define, antes de tudo e principalmente, como brasileira enquanto nos outros lugares eles mantêm sua identidade libanesa. “Eles são profundamente brasileiros,” observa. “Quando eles falam sobre o Líbano, há uma nostalgia cheia de respeito. Eu não senti isso em nenhum outro lugar. Aqui eles têm um grande respeito por seus avós e suas trajetórias.” “Para mim, é um prazer conhecer os libaneses aqui,” ela diz. Barchini vê na comunidade um desejo de saber mais sobre o Líbano e a cultura de seus ancestrais, e por isso ela está planejando um intercâmbio artístico intercultural entre o Rio e Beirute no próximo ano. 

“São duas culturas tão diferentes entre si, mas de certa forma tão próximas” , diz. “E essa distância permite a curiosidade e o respeito mútuo.”

Barchini acredita que tanto o Rio quanto Beirute compartilham um sentido artístico de atração criativa. No Rio, ela vê isso na Cidade do Samba, onde cada escola se expressa criando seus próprios temas e arte. Em Beirute, três gerações de artistas estão trabalhando em vários ateliês pela cidade, com muitas galerias que os representam.

Barchini acredita que a sua vinda ao Rio não foi acidental e que essa é uma jornada que está apenas começando.

O trabalho de Carla Barchini pode ser visto numa mostra coletiva no Largo das Artes/Despina, no dia 25 de Fevereiro, às 19h.

O Largo das Artes/Despina fica na Rua Luís de Camões, nº2, Centro, Rio de Janeiro. A entrada é gratuita.


Sobre a Autora:

Leila Lak é Chefe de Reportagem da Revista DIASPORA.


 

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