A mostra londrina “Unbreakable Rope: Sexuality and Islam” trata do tema do Islã e Sexualidade de forma delicada e inovadora.
Por Leila Lak
O tema da sexualidade no islã é um tópico delicado e um tanto controverso, mas os produtores da nova mostra de artes de Londres, intitulada “Unbreakable Rope: Islam and Sexuality” (Laço Inquebrável: o Islã e a Sexualidade), dizem que não foi a controvérsia que motivou a mostra.
“Nós queríamos nos debruçar sobre uma questão que talvez fosse um pouco polêmica, mas que fizesse as pessoas terem menos medo e mais vontade de fazer perguntas”, disse Nazish Khan, a cabeça criativa do evento, cujo nome é inspirado em um poema erótico árabe de Abu Newas do século VIII.
A mostra faz parte de uma série mais ampla de eventos, entre os quais palestras e seminários organizados pela Quillem, uma organização de combate ao extremismo, sediada no Reino Unido, e que trabalha com jovens antes de eles se radicalizarem.
Khan acredita que esse evento é fundamental para este momento, em que há um clima de medo e de islamofobia em toda a Europa, e acredita que grande parte disso se deve à falta de compreensão mútua.
A mostra Unbreakable Rope busca estimular a tolerância e a compreensão. Khan diz que a intolerância que vemos hoje no Islã nem sempre foi a maneira com que essa religião lidou com a sexualidade.
Ela diz que, no Alcorão e no Hadith, as pessoas eram muito mais liberais ao debater questões como a homossexualidade.
“Hoje há uma lente cultural de acordo com a qual ninguém pode falar sobre nada porque todos têm medo de contrariar alguém”, diz Khan.
No Reino Unido, Khan diz que há um movimento aberto de muçulmanos gays se assumindo e tentando obter aceitação em sua própria sociedade. Isso não é possível em muitos países islâmicos e é ainda menos tolerado no chamado “Estado Islâmico”, onde suspeitos de serem homossexuais foram atirados do alto de edifícios.
Khan decidiu opôr-se diretamente a isso.“Estamos celebrando a diversidade sexual como sendo algo com o qual o Islã convive e não algo que se situa fora dele”, diz ela.
“Queríamos mostrar belas obras de arte que representam as diferentes facetas da história da cultura e da tolerância”, diz Khan.
Mas mesmo em famílias muçulmanas que vivem no Reino Unido, a homossexualidade nem sempre é aceita. Uma das obras escolhidas para a mostra é uma série de fotos de Lisa Bretherick que conta uma trágica história de amor ocorrida recentemente no Reino Unido.
Dr. Nazim Mahmood, um médico bem-sucedido com três clínicas em Londres, comprou, há 13 anos, o apartamento dos sonhos junto com seu namorado, o web designer Matthew Ogsten. No dia em que se mudaram, Matthew disse a Nazim: “Finalmente conseguimos”. Quatro meses depois, Nazim se matou pulando da sacada.
Nazim foi criado em uma família de trabalhadores muçulmanos conservadores em Birmingham, cidade britânica que abriga uma grande comunidade muçulmana bengalesa (Bangladesh), onde conheceu Matthew. Eles se mudaram para Londres para poderem levar uma vida abertamente homossexual. Depois de anos se escondendo, Nazim contou para a família a respeito do homem a quem havia amado durante 13 anos e com quem planejava casar-se. A resposta de sua mãe foi sugerir que ele consultasse um psiquiatra para se curar. Dividido entre sua sexualidade e o amor pelos pais, não conseguiu lidar com a rejeição da família e se matou logo depois. A série de fotos é do funeral e o sofrimento é muito visível nos olhos de Matthew voltados para o caixão de Nazim. Essa série por si só mostra a importância de lidar com o delicado tema da sexualidade no Islã.
Um dos artistas que se destaca na coletiva é Ibi Ibrahim, nascido no Iêmen. Suas belas obras contam sutilmente a história do amor e da sexualidade, temas sobre os quais ele cresceu pensando no Iêmen, país hoje destroçado pela guerra. “Eu vi o país passar por muitas mudanças, principalmente no aspecto da segurança”, diz Ibrahim. “Embora a situação continuasse a piorar, isso nunca influenciou minha ligação com o Iêmen e, particularmente, com minha cidade Sana’a. Eu ainda acho que é um lugar mágico, e uma visita à antiga cidade de Sana’a é quase como voltar no tempo, séculos e séculos.”
Seu trabalho explora a cultura do Iêmen juntamente com sua própria experiência de crescer em uma cultura conservadora.
“Minhas influências foram experiências pessoais, histórias da minha infância, e alguns momentos com os quais me deparei”, diz ele. “Embora o assunto e a técnica possam mudar, eu posso dizer que o Iêmen sempre teve grande influência em minha busca na criação da arte.”
Seu trabalho lida com questões de gênero e sexualidade em sociedades conservadoras, e as duas obras que ele apresentou na mostra Unbreakable Rope, embora tenham temas muito diferentes, focaram a criação de um debate dentro da cultura jovem iemenita.
Sua “Sans toi” (Sem você) é uma série de painéis com nove fotos tiradas em Nova Iorque em 2013 a partir de autorretratos. O outro trabalho que reflete a ideia de gênero e amor no Iêmen é uma série que ele chamou de “Habibi tala” e foi tirada no país no mesmo ano, focando o trabalho feminino na indústria têxtil Sitara Yemeni .
“A discussão da sexualidade é extremamente significativa – principalmente hoje, quando gerações nascem e são criadas em uma sociedade que proíbe e domina, recusando-se a aceitar a opinião do outro”, diz ele.
“É verdade que esta é a época das mídias sociais, e o acesso ao mundo é possível em apenas um toque, mas acho importante que esses tópicos sejam discutidos a partir de dentro, em lugar de buscar a opinião de forasteiros.”
A mostra Unbreakable Rope faz isso por meio das lentes das câmeras de apenas algumas pessoas e por meio da pintura de algumas outras. A mostra está no Free World Centre de Londres até 8 de junho.
Sobre a autora:
Leila Lak é Jornalista, documentarista e chefe de reportagem da revista Diáspora.