Por Monique Sochaczewski

O tema dessa coluna, depois de enquete feita nas redes sociais, deveria ser as relações da Rússia com o Oriente Médio, ontem e hoje. Trata-se, de fato, de questão que toma meu interesse crescentemente, muitas leituras e uma viagem já agendada para São Petersburgo no segundo semestre. Ocorre, porém, que frente ao momento político que vivemos, pedirei desculpas aos que esperavam já uma avaliação sobre a história dessas relações e tratarei de uma questão que muito me incomoda: como acompanhar e analisar o Oriente Médio a partir do Brasil.

Talvez por justamente estar às voltas com a organização do IV Seminário Estudos de Oriente Médio a partir do Brasil (que dessa vez vai acontecer nos dias 6 e 7/4, no auditório da Universidade Petrobrás, na Cidade Nova-RJ), em que procuramos justamente juntar, apresentar e dar a conhecer pesquisas e análises sérias feitas por brasileiros a respeito da região, que queria tratar dessa questão. O intuito é compartilhar algumas fontes que podem nos ajudar a conhecer melhor a região e fugir dos preconceitos e ignorância a respeito do Oriente Médio. Vou dividi-la em duas partes. A primeira é sobre o que vale ler a respeito, a fim de ter uma opinião mais embasada. A segunda é sobre o que assistir, visando a mesma finalidade.

Ler – A meu ver esse é o movimento inicial para qualquer pessoa que busque de fato conhecimento. É também o mais prazeroso. Não só já temos acadêmicos e jornalistas brasileiros com importantes publicações sobre a região, como há crescente tradução de obras essenciais sobre a área.

O clássico “Islã: Religião e Civilização. Uma abordagem antropológica”, de Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, pode ser o primeiro passo. Paulo Gabriel, antropólogo respeitado globalmente, apresenta ali os pilares do Islã, as divisões sectárias, a vertente mística do sufismo, lançando as bases essenciais para a compreensão do Islã. Parte então para uma apresentação histórica do mundo islâmico nos séculos XIX e XX, aprofunda a visão do que seria a militância, globalização e pluralização do mesmo (capítulo essencial para quem quer entender jihadismo), para então tratar das comunidades muçulmanas na Europa e no Brasil.

“O mundo muçulmano”, de Peter Demant; “Uma história dos povos árabes”, de Albert Hourani; “O Império Otomano”, de David Quataert; e “Paz e Guerra no Oriente Médio”, de David Fromkin, dão boas noções – em português – sobre a história do mundo islâmico mais amplo e do Oriente Médio em particular, da especificidade dos árabes e do período otomano como um todo, com foco em sua fase final e impactos que a região ainda sente até hoje por conta desta.

Obras como “O mundo falava árabe. A civilização árabe-islâmica clássica através da obra de Ibn Khladun e Ibn Battuta”, de Beatriz Bíssio; “A Casa da Sabedoria: como a valorização do conhecimento pelos árabes transformou a civilização ocidental”, de Jonathan Lyons, e “A Cruzada vista pelos árabes”, de Amin Maalouf, ajudam a esclarecer o quão aberto, sofisticado e dedicado às artes e ciências foi o mundo árabe. Essas obras ajudam a desmistificar o senso comum eivado de preconceitos que associa basicamente esse grupo a fanatismo e atraso.

Por fim, sobre questões mais recentes, as obras da arqueóloga Fernanda Camargo-Moro, como “Ponte das Turquesas” e “Mar de Pérolas: Dubai e os Emirados” se mostram bela apresentação da região feita por uma brasileira que a frequentou por décadas. “O silêncio contra Muamar Kadafi”, do jornalista Andrei Netto, se mostrou tão importante avaliação da queda do ditador líbio, que ganhou versão em inglês pela respeitada Palgrave Macmillan. E as obras “Os iranianos”, de Sami Adhirni, e “Os libaneses”, de Murilo Sebe Bon Meihy,  são essenciais para quem deseja entender esses povos e mesmo suas relações com o Brasil.

Ver – Infelizmente, a cobertura da TV brasileira – aberta ou fechada – para o Oriente Médio é ainda problemática. Jornalistas sentados em estúdios de grandes cidades ocidentais, tendo que avaliar às pressas o que ocorre na região falam besteiras do tipo “os curdos são seculares” ou “não há xiitas na Turquia”, como testemunhei na época do golpe militar frustrado na Turquia, em julho de 2016. Programas, porém, como “Não Conta Lá em Casa” no passado, e “Que Mundo é Esse?” atualmente, se esforçam por apresentar a região de maneira honesta e digna. O mesmo se dá com documentários projetados em TV a cabo com o jornalista português Henrique Cymerman e com o fotógrafo Gabriel Chaim.

Confesso assim, que minha principal dica nesse sentido não é, infelizmente, em português. Recomendo acompanhar alguns programas em inglês da Al Jazeera, em especial aqueles apresentados por Mehdi Hasan, como “Head to Head” e “Up Front”. Hasan é jornalista britânico educado em Oxford e conduz entrevistas sobre temas caros ao Oriente Médio, como terrorismo, questões de gênero e intervenções humanitárias, de maneira bastante firme. Não só os temas que aborda são de nosso interesse como a forma bem preparada e contundente que as conduz.

Algumas séries sobre o Oriente Médio vêm também chegando ao público brasileiro de diversas formas. As israelenses “Em terapia”, “Prisioneiros de Guerra” (“Chatufim”) e “Dois lados de um conflito” (“Fauda”) ganharam grande projeção, com a primeira inclusive gerando uma versão brasileira. “Fauda”, em especial, a meu ver, merece atenção, por se esforçar em dar voz aos dois lados do conflito israelo-palestino.

E o cinema médio-oriental é um luxo só. Da Turquia, recomendo “Conquest 1453” (sobre a tomada de Constantinopla), “Babam ve oğlum” (sobre o golpe militar de 1980) e “Nefes” (essencial para entender a questão curda). Do Irã só vem coisa boa como “Separação”, “O apartamento”, “Taxi Teerã” e “O silêncio”. O Egito, que já teve importante indústria cinematográfica, conta com duas obras obrigatórias, a meu ver: “Edifício Yacoubian” e “Cairo 678”. E a Nadine Labaki, do Líbano, vem produzindo peças brilhantes como “Caramel” e “E agora, aonde vamos?”.
Enfim, peço perdão pela longa listagem, mais do que análise, mas o espaço é curto e a vontade de que mais pessoas de fato conheçam região com passado tão rico e sofisticado é gigante. Quem sabe melhor conhecendo, e buscando cada vez mais informações abalizadas, vençamos preconceitos e ignorância,  conhecendo melhor uma região do mundo com a qual temos profundas relações históricas?

SOBRE A AUTORA:

 

 Monique Sochaczewski é doutora em História, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e colunista da REVISTA DIASPORA.

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