Os estudantes de História Fabiane, Felipe e Nathália propõem um plano de aula sobre a Revolução Iraniana e indicam o filme Persépolis como uma forma didática e atraente de abordar o tema
Por Fabiane Assaf, Felipe Brandão, Nathália Gonçalves
Quando se fala de revolução, muitas imagens surgem em nossas cabeças, como a chegada de burgueses ou operários ao poder ou grupos de guerrilha armados. Nesse cenário, poucos sabem em que consistiu a Revolução Iraniana ou quem caiu e quem chegou ao poder desta vez. Até mesmo nas universidades o tema é muito pouco abordado nas aulas de história contemporânea, em que se abordam temas mais recentes da história mundial. Na escola também não vemos um trabalho de modo a contemplar os fatos ocorridos no Irã do período de 1978-1979, muito devido à ausência recorrente do tema nos livros didáticos.
Então, se não é uma matéria privilegiada na universidade nem nos livros didáticos, por que seria importante a conhecermos? A resposta é relativamente simples. Atualmente quando ligamos a TV ou entramos nas redes sociais são frequentes as notícias e imagens sobre guerra na Síria, crise de refugiados na Europa ou tensões diplomáticas e militares entre países muçulmanos e as grandes potências. A revolução de 1979 está completamente misturada a esse caldeirão de conflitos que afetam, cada um a seu modo, o mundo inteiro.
Neste pequeno artigo procuramos fazer uma breve exposição desta revolução que é parte de um quadro bem mais amplo de tensões envolvendo tradição e modernidade, cultura e globalização. Ele é fruto de um artigo realizado na Universidade Federal Fluminense onde buscamos meios para introduzir este tema nas discussões em sala de aula. É, sobretudo, um esforço de levar a público este fato histórico que impacta ainda hoje as relações do Oriente Médio com o mundo ocidental, chegando até nós.
Ao vermos o termo “revolução”, logo de início nos deparamos com uma associação imediata com as revoluções russa, chinesa, cubana, entre outras, como se pudéssemos incluí-las a um tipo só, como parte de um mesmo processo e com resultados similares. No entanto, cada uma delas guarda especificidades marcadas pelo seu tempo e espaço. Em outras palavras, os motivos, as dinâmicas e os personagens históricos envolvidos são completamente particulares e, consequentemente, fazem cada uma dessas revoluções percorrerem caminhos distintos e obterem consequências, às vezes, opostas entre si. Esse é o caso da revolução islâmica ocorrida no país dos antigos persas.
A Revolução Iraniana de 1978-79 é a única revolução dos tempos modernos que derrubou um regime secular e estabeleceu um regime religioso, islâmico no caso, expressado pela vontade política da grande maioria do povo. Essa foi também uma das maiores revoluções da história, que só se compara com a francesa, a russa e a chinesa.
O que se observa no Irã, em especial nos anos finais da década de 1970, é a manifestação de um conflito interno movido por disputas relacionadas a concepções concorrentes de identidade nacional. Além disso, uma questão que marca de maneira particular a história do povo iraniano é a emergência do xiismo duodecimano (vertente do islã que aceita a linhagem de 12 imans, isto é, autoridades religiosas que devem liderar toda a comunidade de fiéis muçulmanos) na região. Primeiramente, faz-se necessário dizer que o islã está absolutamente imerso na teologia judaico-cristã. A raiz das três religiões é a mesma: Abraão. De acordo com a tradição religiosa, a raiz dessa cisão estaria na descendência de Abraão. Com a escrava Agar, ele teve Ismael, de quem os muçulmanos acreditam descender Muhammad, e com Sara, sua esposa, foi gerado Isaac, do qual viria o povo de Israel. Essa história impacta diretamente nas concepções políticas e religiosas do mundo muçulmano.
Em meio a uma tradição de conflitos e ameaçados por problemas de natureza política, os clérigos islâmicos iniciaram uma mobilização contrária ao projeto modernizador e “ocidentalizante” defendido pelo Xá Mohammad Reza Pahlavi, que se apresentava muito agressiva às leis e tradições do xiismo iraniano.
Mohammad Reza Pahlavi foi perdendo gradativamente o apoio de amplos setores da sociedade iraniana, com destaque para a influente classe dos clérigos xiitas, os ayatollah (do árabe, que significa “sinal de Deus”). Em abril de 1979, o ayatollah Ruhollah Khomeini proclamou no Irã uma República Islâmica. Essa espécie de governo teocrático revela-se um contrassenso à religião islâmica, já que o Alcorão prega a forma de governo designada como “califado”, cujo chefe ou líder exerceria autoridade política e religiosa. Esse fato evidencia muito bem o caráter peculiar e paradoxal da revolução religiosa ocorrida no Irã.
Dentro de um quadro mais amplo, o Oriente Médio, ainda que distante, não se furta de aparecer no imaginário brasileiro. Podemos citar o exemplo de uma música produzida no ritmo do funk, com o título de “Bumbum Granada”, onde se fala de “homens-bombas”, um tipo muito comum nesse imaginário. Nesse sentido, músicas produzidas no mundo do funk, mundo este composto por adolescentes e jovens em sua maioria, mostram que o interesse destes adolescentes vai muito além daquilo que se discute em sala de aula.
Por outro lado, trazer esse assunto à escola é interessante para contrapor com as experiências trazidas pelos alunos, pensando que eles trazem consigo conhecimentos próprios, vivências que vão de encontro com aquilo que o professor tem a ensinar. O tema seria, por sugestão, voltado para os alunos de terceiro ano do Ensino Médio, onde normalmente é visto o conteúdo sobre atualidades e exigiria, no mínimo, quatro tempos de aula, que estariam divididos entre apresentação do filme Persépolis, baseado na autobiografia de Marjani Satrapi em forma de quadrinhos.
A partir daqui, viria à cena o protagonismo do professor, que poderá problematizar o discurso presente no livro didático (quando aparece o tema), promover um exercício de reflexão correlacionando os dois materiais e o que os alunos trouxessem de casa, pensando a avaliação continuada e as múltiplas formas do avaliar.
Considerando que um tempo tem aproximadamente 50 minutos, duas aulas seriam reservadas para a exposição do filme, que possui 95 minutos. Os outros dois tempos seriam para trabalhar o conteúdo e o filme apresentados, além de alguma atividade interativa sobre o tema. Como alguns dos alunos no Ensino Médio estão prestes a realizar o exame para entrar na faculdade, principalmente o Enem, seria interessante relacionar o tema com as questões mais atuais para trabalhar a proposta desse tipo de vestibular. Acima de tudo, instigar uma atitude crítica nos alunos é central, fazendo-os reconhecer o mundo em que vivem. O conteúdo a ser tratado em sala de aula é especificamente a Revolução Iraniana, mas múltiplas questões podem aparecer, o que enriquece ainda mais o debate.
Partindo do princípio de que o aluno não conheça o assunto, faz-se necessário separar alguns tópicos para melhor situá-lo. Sugerimos apresentar minimamente aspectos centrais da religião islâmica, tendo em mente que é necessário abordar os preconceitos e estereótipos sobre o islã, como discutir o papel da mulher e do homem muçulmanos nessa sociedade. Outro ponto a ser inserido é uma discussão sobre a forma de governo implantada com a Revolução, correlacionando alguns conceitos básicos como o de república e teocracia, de modo a identificar as diferenças e onde há convergências, ou mesmo relacionar essa experiência revolucionária com outras estudadas até então.
É importante salientar que a escolha do filme não é uma escolha aleatória, mas uma maneira eficiente de aproximar o assunto do aluno. Essa escolha se deu não somente por ser um material diferente para agregar na explicação da matéria, mas exatamente pelo fato de ter sido inspirada no livro Persépolis, que conta a história de sua autora. Marjane Satrapi era uma menina quando se desenrolou o processo revolucionário, e vivenciou o dia a dia da revolução. Vale lembrar também que essa HQ é uma excelente fonte para ser indicada como leitura, para dar voz a quem viveu essa história, pois, como defende um ditado muito comum na cultura surda: “nada sobre nós sem nós”, e para que o conteúdo não fique apenas em sala de aula.