Iran Revolution 1979, Photo David Burnett.
Ana Maria Raietparvar
Em 11 de Fevereiro de 2019, a Revolução Iraniana completou 40 anos. À época de seu acontecimento, essa revolução gerou diversas preocupações e exaltações no chamado “mundo ocidental”, repercutindo até hoje no modo como o Irã, os muçulmanos e o islã político são vistos ou concebidos. No Brasil, por exemplo, tornou-se comum referir-se como “xiita” a alguém que seja radical ou ortodoxo, muito provavelmente em referência a esse acontecimento, quando fotos com multidões de homens de preto e mulheres de véu tomaram os meios de comunicação desse lado de cá do mundo. Por outro lado, a Revolução Iraniana exerceu o fascínio de alguns setores ao ser caracterizada como um levante contra o “imperialismo” norte-americano e seus interesses no Oriente Médio.
No entanto, a história da Revolução Iraniana de 1979 tem muito mais nuances e complexidades do que esse binarismo entre a condenação aos “fundamentalistas” e o louvor aos “antiimperialistas”. A começar pelo fato de que a Revolução Iraniana foi um movimento de massas, com diversos grupos, projetos, ideias e identidades como uma revolução de massas costuma ser. Além dos grupos religiosos ligados ao clero islâmico xiita, unificaram-se pela derrubada do Shah Mohammed Reza Pahlevi grupos comunistas, guerrilheiros, liberais e diversas vertentes do islã político, que já apontava fortemente no cenário iraniano nas décadas anteriores como uma “terceira via” entre o comunismo e o capitalismo da Guerra Fria.
A insatisfação com o Shah vinha de um longo processo que somava diversos fatores. Um deles foi a volta da exploração do petróleo pela Anglo-Iranian Oil Company depois de um golpe orquestrado com a CIA que destituiu o Primeiro-Ministro Mossadegh, que havia estatizado o petróleo iraniano. Além disso, uma série de reformas modernizantes e “ocidentalizantes”, aliadas a um estilo de vida dispendioso por parte da família do Shah, enquanto a população iraniana passava por uma situação econômica frágil, acabaram por unificar diversos setores da população buscando o fim da monarquia.
O islã político aparecia como uma das vertentes que disputavam a Revolução através de diferentes grupos e visões, incluindo certos setores do clero religioso xiita, sob a liderança do Ayatollah Ruhollah Khomeini, que estava exilado. Para além desse grupo, os símbolos xiitas apareciam como um fator de mobilização e como um símbolo nacionalista, uma vez que o xiismo é um dos pilares da identidade nacional iraniana, visto que 90% da população do país segue essa vertente do islã. Nesse momento, o uso do véu pelas mulheres que protestavam contra o regime do Xá configurava um símbolo dos protestos, embora a obrigatoriedade que veio a ser exigida posteriormente não fosse necessariamente o projeto político de milhares de mulheres que o vestiam quando saíram às ruas em 1979.
Nos últimos meses dos protestos, desde o exílio na França, o Ayatollah Khomeini passou a ser a principal influência sobre os revolucionários, fortalecendo a sua proposta de um Irã que estivesse sob a liderança de alguém que observasse os princípios da fé islâmica. É importante ressaltar que esse projeto proposto por Khomeini, embora estivesse crescendo perante o apelo popular, estava longe de ser uma unanimidade entre o próprio clero xiita, o que demonstra as disputas existentes dentro do próprio campo religioso sobre como atuar na esfera política. O retorno de Khomeini ao Irã em fevereiro de 1979 consolidou a Revolução e o introduziu como líder de uma revolução múltipla e divergente. Em janeiro, o Shah Mohammed Reza Pahlevi e sua família se exilaram e até hoje sua mulher, Farahdiba, vive na França e seu filho, Reza, nos Estados Unidos.
Ainda no processo pós-revolucionário continuaram as disputas em torno de qual projeto seria implementado no país: o laico-tecnocrata ou o religioso. Depois de diversas disputas, o projeto de Khomeini se faz vitorioso, e a constituição que institui a República Islâmica é aprovada através de um referendo popular. A novidade dessa nova configuração estatal, chamada República Islâmica, gera muitas repercussões internacionalmente. O novo Irã não seria uma monarquia ligada ao clero religioso, como na Arábia Saudita, tampouco uma república secular. Esse projeto se ancorava fortemente não só no nacionalismo iraniano, mas também na ideia de uma unificação das nações muçulmanas em torno de um projeto político – o projeto de Khomeini, é claro. Essa disputa da hegemonia sobre a umma, a comunidade muçulmana internacional, é presente até hoje nos atritos entre Irã e Arábia Saudita.
Após a morte de Khomeini, em 1989, assumiu como Líder Supremo em seu lugar o Ayatollah Khamenei, cargo que deve ser ocupado por um jurisprudente islâmico, e que se encontra acima dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na presidência do país, ao longo desses 40 anos houve um revezamento entre conservadores e reformistas, acarretando numa série de mudanças no país e nas suas relações exteriores. Atualmente, o presidente reformista Hassan Rouhani sucedeu o conservador e polêmico Mahmoud Ahmadinejad. Além de uma abertura maior internamente, a alternância entre ambas as alas internas ao regime islâmico permitem um maior ou menor diálogo com os países ditos “ocidentais”, possibilitando, por exemplo, o Acordo Nuclear que Rouhani estabeleceu com o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama em 2015.
Mais recentemente, a retirada dos Estados Unidos do Acordo por parte do presidente dos Estados Unidos Donald Trump demonstra que, ao contrário do que se costuma crer, as relações entre o Irã e as potências ocidentais e as ameaças de guerra dependem não só da alternância de projetos dentro do regime iraniano, mas também da alternância de projetos dos Estados Unidos para o resto do mundo, onde um presidente conservador é um risco em potencial tão grande ou maior que os iranianos.
No entanto, a história da Revolução Iraniana de 1979 tem muito mais nuances e complexidades do que esse binarismo entre a condenação aos “fundamentalistas” e o louvor aos “antiimperialistas”. A começar pelo fato de que a Revolução Iraniana foi um movimento de massas, com diversos grupos, projetos, ideias e identidades como uma revolução de massas costuma ser. Além dos grupos religiosos ligados ao clero islâmico xiita, unificaram-se pela derrubada do Shah Mohammed Reza Pahlevi grupos comunistas, guerrilheiros, liberais e diversas vertentes do islã político, que já apontava fortemente no cenário iraniano nas décadas anteriores como uma “terceira via” entre o comunismo e o capitalismo da Guerra Fria.
A insatisfação com o Shah vinha de um longo processo que somava diversos fatores. Um deles foi a volta da exploração do petróleo pela Anglo-Iranian Oil Company depois de um golpe orquestrado com a CIA que destituiu o Primeiro-Ministro Mossadegh, que havia estatizado o petróleo iraniano. Além disso, uma série de reformas modernizantes e “ocidentalizantes”, aliadas a um estilo de vida dispendioso por parte da família do Shah, enquanto a população iraniana passava por uma situação econômica frágil, acabaram por unificar diversos setores da população buscando o fim da monarquia.
O islã político aparecia como uma das vertentes que disputavam a Revolução através de diferentes grupos e visões, incluindo certos setores do clero religioso xiita, sob a liderança do Ayatollah Ruhollah Khomeini, que estava exilado. Para além desse grupo, os símbolos xiitas apareciam como um fator de mobilização e como um símbolo nacionalista, uma vez que o xiismo é um dos pilares da identidade nacional iraniana, visto que 90% da população do país segue essa vertente do islã. Nesse momento, o uso do véu pelas mulheres que protestavam contra o regime do Xá configurava um símbolo dos protestos, embora a obrigatoriedade que veio a ser exigida posteriormente não fosse necessariamente o projeto político de milhares de mulheres que o vestiam quando saíram às ruas em 1979.
Nos últimos meses dos protestos, desde o exílio na França, o Ayatollah Khomeini passou a ser a principal influência sobre os revolucionários, fortalecendo a sua proposta de um Irã que estivesse sob a liderança de alguém que observasse os princípios da fé islâmica. É importante ressaltar que esse projeto proposto por Khomeini, embora estivesse crescendo perante o apelo popular, estava longe de ser uma unanimidade entre o próprio clero xiita, o que demonstra as disputas existentes dentro do próprio campo religioso sobre como atuar na esfera política. O retorno de Khomeini ao Irã em fevereiro de 1979 consolidou a Revolução e o introduziu como líder de uma revolução múltipla e divergente. Em janeiro, o Shah Mohammed Reza Pahlevi e sua família se exilaram e até hoje sua mulher, Farahdiba, vive na França e seu filho, Reza, nos Estados Unidos.
Ainda no processo pós-revolucionário continuaram as disputas em torno de qual projeto seria implementado no país: o laico-tecnocrata ou o religioso. Depois de diversas disputas, o projeto de Khomeini se faz vitorioso, e a constituição que institui a República Islâmica é aprovada através de um referendo popular. A novidade dessa nova configuração estatal, chamada República Islâmica, gera muitas repercussões internacionalmente. O novo Irã não seria uma monarquia ligada ao clero religioso, como na Arábia Saudita, tampouco uma república secular. Esse projeto se ancorava fortemente não só no nacionalismo iraniano, mas também na ideia de uma unificação das nações muçulmanas em torno de um projeto político – o projeto de Khomeini, é claro. Essa disputa da hegemonia sobre a umma, a comunidade muçulmana internacional, é presente até hoje nos atritos entre Irã e Arábia Saudita.
Após a morte de Khomeini, em 1989, assumiu como Líder Supremo em seu lugar o Ayatollah Khamenei, cargo que deve ser ocupado por um jurisprudente islâmico, e que se encontra acima dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na presidência do país, ao longo desses 40 anos houve um revezamento entre conservadores e reformistas, acarretando numa série de mudanças no país e nas suas relações exteriores. Atualmente, o presidente reformista Hassan Rouhani sucedeu o conservador e polêmico Mahmoud Ahmadinejad. Além de uma abertura maior internamente, a alternância entre ambas as alas internas ao regime islâmico permitem um maior ou menor diálogo com os países ditos “ocidentais”, possibilitando, por exemplo, o Acordo Nuclear que Rouhani estabeleceu com o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama em 2015.
Mais recentemente, a retirada dos Estados Unidos do Acordo por parte do presidente dos Estados Unidos Donald Trump demonstra que, ao contrário do que se costuma crer, as relações entre o Irã e as potências ocidentais e as ameaças de guerra dependem não só da alternância de projetos dentro do regime iraniano, mas também da alternância de projetos dos Estados Unidos para o resto do mundo, onde um presidente conservador é um risco em potencial tão grande ou maior que os iranianos.
Para saber mais:
PODCAST | NARRATIVAS EM MOVIMENTO | 40 ANOS DA REVOLUÇÃO IRANIANA/neom.uff.br/2019/02/21/podcast-narrativas-em-movimento-40-anos-da-revolucao-iraniana/
Bruno Bartel conversa com a Coeditora da Revista Diáspora, a pesquisadora e especialista em Irã Ana Maria Raietparvar, que fala sobre os 40 anos da revolução iraniana seus significados e impactos na geopolítica do Oriente Médio e no mundo.
Bruno Bartel conversa com a Coeditora da Revista Diáspora, a pesquisadora e especialista em Irã Ana Maria Raietparvar, que fala sobre os 40 anos da revolução iraniana seus significados e impactos na geopolítica do Oriente Médio e no mundo.