Por Murilo Sebe Bon Meihy

Senhoras e senhores: o circo chegou na cidade! Tem palhaçada política internacional, a mágica do desaparecimento do patrimônio cultural e malabarismo com a terra alheia. O show dos horrores chegou para ficar por pelo menos quatro anos, com a legitimidade do voto de um respeitável público que só compra ingresso se for para sentar no lado direito da arquibancada.

Piadinhas à parte, os novos três patetas de 2017 não têm graça nenhuma. Reproduzem uma velha política desbotada travestida ora de novidade, ora de conservadorismo, e que se sustenta exclusivamente da covardia de quem acha que tudo se resolve com cara feia, concreto armado e jato de areia.

No circo dos três patetas, o recém empossado presidente norte-americano, Donald Trump, abre o espetáculo. Aquilo que parecia circense demais para ser verdade, a sua política de imigração e o projeto de construção de um muro na fronteira com o México, deixou de ser um número teatral para ganhar votos na eleição, passando ao mundo mágico da realidade estúpida. A essência da crítica ao projeto xenofóbico do pateta Trump não está no discurso da Meryl Streep no Globo de Ouro nem nas declarações sempre duvidosas de repúdio do atual presidente mexicano Enrique Peña Nieto. A condenação de mais um equivocado muro que vende falsa segurança se realiza, de fato, na ignorância risível de um país que não existiria sem a experiência civilizacional da imigração: a mais completa e construtiva ausência de muros e julgamentos.

O paredão de concreto do presidente Trump não se limita à fronteira do México, mas interrompe a construção verdadeira de caminhos para a paz no Oriente Médio, ao declarar apoio ao reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, e ao proibir por trinta dias a entrada de “certos” estrangeiros. Na verdade, o palhaço principal do circo queria a proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, como anunciou em campanha, mas alguém de sua equipe de anões malabaristas imaginou que isso seria muita palhaçada, e poderia não ser engraçado para os amigos sauditas. A visão gris de Trump sobre o mundo transforma os Estados Unidos e Israel em um condomínio de luxo murado: para entrar, tem que deixar o nome do convidado na portaria, e de vez em quando, tem show de fogos de artifício no quintal da propriedade com vista para o Mediterrâneo Oriental.

O primeiro dos três patetas é o mais nervosinho. Tem cabelo engraçado, cara de tonto, e está sempre mal humorado, apesar de achar graça em piadas e comentários sobre a condição feminina. Sua rabugice tem justificativa: em um país como os Estados Unidos, a cor cinza pode se transformar em um problema, já que para o pateta Trump o cinza como a mistura entre branco e preto só serve na parede que segrega. Mas, apesar disso, o único tom dessa cor que lhe falta é a massa cinzenta.

O riso, quando esconde o medo, é o disfarce do parvo. Por isso, no espetáculo do pateta de peruca loira, quem usa nariz de palhaço é a diplomacia internacional, cada vez mais murada por organizações internacionais incompetentes, por crises humanitárias ignoradas abertamente, e por gargalhadas debochadas sobre o impacto humano e econômico do aquecimento global. E a gente ri do bobo gringo, sob o risco de sermos o próximo alvo de suas piadas de péssimo gosto.

O segundo pateta é menos jocoso e pirotécnico do que o gringo. Ele também é bobo e sem graça, mas tem pinta de homem sério porque não gosta de peruca. Esse pateta acha que pode representar todos os papéis do espetáculo, já que, apesar de palhaço, seu principal show é o truque mágico do desaparecimento da arte urbana, e para encantar os que acham que falta seriedade no picadeiro, ele se veste como o homem de negócios: o bilheteiro. Dá pra imaginar o que acontece quando o público escolhe o palhaço para administrar o circo? O arlequim precisa se disfarçar de equilibrista, trapezista, vendedor de amendoim, e até de gari do circo, mas, no final, seu talento maior é sempre a boa e velha farsa e zombaria de palhaço.  

O pateta João Doria Júnior é o maior amante do cinza. As cores pictóricas e políticas representadas pelos grafites espalhados pelo Grande Circo São Paulo incomodam o gosto sensível de quem defende que o circo não é arte de rua, nem mambembe. Apesar de se achar popular, o pateta prefere os aplausos do camarote VIP aos risos espontâneos de quem paga pelo ingresso mais barato.

Apesar da comicidade, o cenário é preocupante. Quem conhece a história e o engajamento político do grafite como expressão cultural reconhece seu lugar na paisagem de cidades como Nova Iorque, Londres, Beirute, Buenos Aires e, até pouco tempo atrás, São Paulo. Quando um administrador público perde o senso de humor e vê sujeira onde há beleza, é sinal de que, por mais bem vestido e perfumado que ele seja, sua alma é de pateta. Ele quer ser popular como o Bozo, carismático como o Carequinha, bem sucedido como o Patati Patatá, mas, no fundo, só pensa nos negócios como o Ronald Mac Donald.

O terceiro pateta é a prova de que os palhaços podem ser ameaçadores. Quem não se lembra do personagem Pennywise? O palhaço mais assustador de todos os tempos ganhou notoriedade na obra de Stephen King e virou febre internacional com o filme “It – uma obra prima do medo”, de 1990. Imortalizado pelo ator Tim Curry, Pennywise é uma criatura fantasmagórica que volta rotineiramente para despertar nas crianças seus piores medos. Nenhuma descrição poderia ser mais precisa para apresentar nosso terceiro pateta: o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Ele foi dono do circo pela primeira vez entre 1996 e 1998, voltou em 2009 e permanece como o bufão que ri da opinião pública internacional. Romântico e atrevido, não poupa esforços para declarar seu amor incondicional ao palhaço de peruca loira e, assim como o pateta de São Paulo e o de Washington, tem uma queda por destruir o que acha feio e ama erguer muros. Seu talento maior é tirar o sorriso das crianças do mundo árabe, principalmente, os da Faixa de Gaza, espalhando a coulrofobia (medo de palhaços) nos seus vizinhos.

Para esse mestre do picadeiro, o verdadeiro circo é o dos horrores. Na dúvida, continuamente faz caber mais público para assistir ao espetáculo e, sempre que possível, entende que é melhor esticar a tenda em direção à terra dos macambúzios palestinos.  Esse é o caso clássico do palhaço que acha que é o guarda-vigilante do circo, mas, no fundo, “o palhaço o que é? Ladrão de terra e mané!”

Senhoras e senhores, está decretada a morte da alegria, do bom senso e da fraternidade política. O pior, nesse caso, é que, sem o apoio de cada espectador, o show não pode parar nos próximos anos. Há quem assista a tudo isso achando graça e comendo tranquilamente seu pacote de amendoim. O que faz do pateta um personagem tão especial na cultura popular e na política internacional é que sua violência e tolice podem ser aplaudidas. Suas ações fazem alguns sorrirem às custas do choro dos demais, sob os auspícios da democracia representativa: a maior de todas as piadas sem graça.  

Mas, se algo der errado e quiserem punir os políticos patetas pelos crimes que cometem, existe a certeza de que… “E no final, vai ter marmelada? Vai ter, sim senhor…”

SOBRE O AUTOR:

 

Murilo Sebe Bon Meihy é doutor em Estudos Árabes pela USP, Professor de História Contemporânea na UFRJ e colunista da Revista Diáspora. Suas pesquisas se concentram em temas relacionados ao Oriente Médio, à África e aos árabes no Brasil. 

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