Leila Lak
À medida que nos aproximamos do final de 2016, a perda de algumas das mais talentosas estrelas da música e a grande guinada política à direita abalaram o mundo. Neste ano também perdemos um dos maiores diretores de cinema que já existiu, Abbas Kiarostami. Essa perda foi profundamente sentida pela Diáspora iraniana, pois Kiarostami proporcionava aos iranianos a única fonte de orgulho durante os períodos mais sombrios do país. País que eles perderam para o regime islâmico e que mal reconheciam, a não ser através das lentes de Kiarostami focalizando pessoas comuns.
A influência de Kiarostami noo cinema não pode ser subestimada. Jean Luc Godard disse uma vez: “O cinema começa com D. W. Griffith e termina com Abbas Kiarostami.” Ele fez mais de 40 filmes em sua carreira e somente os dois últimos foram feitos fora do Irã.
Em 1997, depois de ganhar a Palma de Ouro em Cannes pelo filme “O Gosto da Cereja”, ele foi catapultado para o estrelato internacional. Os críticos disseram que ele seguiu a tradição da Nouvelle Vague (Nova Onda) francesa, um grande movimento cinematográfico ao qual poucos diretores já foram comparados. Mas ele ficou famoso com seu filme de 1990, ‘Close up’, filmado em 40 dias, e que retrata um malandro que se faz passar por seu herói, outro cineasta iraniano, Mohsen Makhmalbaf, convencendo as pessoas a aparecer no filme que ele fingia estar fazendo. Kiarostami convenceu as pessoas envolvidas no crime a reencenar seus papéis. Em 2005, em Londres, ele falou sobre como esse filme influenciou seus filmes seguintes.
“Quando penso nesse filme, parece que não fui eu o diretor, que fui apenas mais um na audiência. O filme se fez sozinho, em grande medida. Os personagens eram muito reais. Eu não estava dirigindo os atores, eles é que estavam me dirigindo”, disse ele.
Kiarostami sempre escolhia não-atores para seus filmes. Ele quase não tinha roteiro e seus filmes se equilibravam em uma linha indefinida entre documentário e ficção. Mas ele sempre fugiu da política. Ele acreditava que o papel de um cineasta não era o de ser jornalista, mas de fazer arte.
Depois da Revolução Iraniana de 1979, a maioria dos artistas e cineastas fugiu para a Europa e para os Estados Unidos. Kiarostami ficou no Irã.
“Para ser internacional, é preciso primeiro ser local”, disse ele em 2014.
“Se você tirar uma árvore de seu local de origem e plantá-la em outro local, será que ela conseguirá crescer tanto quanto cresceria no local de origem?” perguntou Kiarostami. “Será que ela vai ter as mesmas raízes, as mesmas folhas, a mesma sombra?”
Seus filmes mostravam o dia-a-dia dos iranianos e brincavam com os temas de vida e morte. Seus três filmes realizados em volta do vilarejo Koker, no norte do Irã, foram apelidados pelos críticos de “Trilogia de Koker”. Essa trilogia trata da linha tênue entre ficção e não-ficção, ordem e caos. O primeiro filme da série, “Onde fica a casa do meu amigo?”, é a história de um menino que arrisca ser expulso da escola e faz uma viagem perigosa para devolver um caderno ao amigo. O foco poético do filme é a ideia de ser humano e de bondade com os outros. Os meninos do filme não são atores e os moradores do vilarejo Koker participaram do filme.
O segundo filme da trilogia, “E a vida continua…” volta ao vilarejo depois do terremoto de 1990, o qual devastou a região e matou mais de 50.000 pessoas. Conta o que aconteceu com os protagonistas do primeiro filme.
Para os sobreviventes, foi como se tivessem renascido, pois experimentaram a morte ao lado deles”, disse Kiarostami. “O terremoto aconteceu às quatro ou cinco da manhã, então todos podiam ter morrido, foi quase um acidente eles não terem morrido. Assim, eu não me vi somente como diretor de cinema aqui, mas também como observador de pessoas condenadas à morte.”
No último filme da trilogia, “Através das Oliveiras”, Kiarostami colocou o foco de suas lentes sobre o ator não profissional Hossein Rezavi, um pedreiro apaixonado cujo objeto de amor não presta atenção nele. A situação se complica pelo fato de que os protagonistas representaram um casal que organizou um casamento no filme anterior de Kiarostami. “Através das Oliveiras” segue Rezavi, que faz o papel dele mesmo, quando ele tenta conquistar sua noiva na tela, Tahereh Ladania. Este aclamado filme novamente deixa as linhas entre fato e ficção indefinidas. As maravilhosas e longas sequências de altas montanhas, com os dois protagonistas caminhando nesse cenário, ilustra a falibilidade do homem contra a natureza.
Em sua obra-prima “O Gosto da Cereja”, um homem dirige sem destino tentando encontrar alguém que o ajude a se suicidar. As pessoas tentam convencê-lo a não fazer isso, descrevendo as coisas belas que a vida oferece como o gosto de cereja, mas o homem não quer apenas cometer suicídio, ele quer extinção total. Kiarostami, como em todo seu trabalho, não julga, ele permite que a beleza lírica do filme fale de como a angústia e a banalidade da vida aparecem ao mesmo tempo.
A morte de Kiarostami aos 76 anos não deixou apenas uma nação carente; amantes do cinema de todo o mundo perderam um dos maiores cineastas de todos os tempos.
SOBRE A AUTORA:
Leila Lak é jornalista, documentarista e Chefe de Reportagem da REVISTA DIASPORA.