Leila Lak entrevista Ameera Harouda, há mais de 10 anos fixer da Faixa de Gaza
Por Leila Lak
No começo da carreira de qualquer correspondente internacional, ele recebe apenas uma dica: “sua história é tão boa quanto o seu ‘fixer’ ”. O fixer é um produtor local que ajuda no acesso a qualquer história. Ameera Ahmad Harouda é justamente o tipo de fixer que qualquer correspondente internacional deseja encontrar no seu caminho. Na Faixa de Gaza, onde o Hamas exige que todos os jornalistas internacionais trabalhem com um fixer, Ameera foi a primeira mulher a realizar essa função predominantemente masculina.
“Eu nunca achei que queria ser jornalista, mas senti que era o único jeito de mudar a ideia sobre as mulheres na minha sociedade,”
diz Ameera. Depois de muitas tentativas frustradas de entrevistá-la por Skype, devido à falta de uma boa conexão de Internet em Gaza, tivemos que recorrer ao messenger do Facebook, o único meio de comunicação a que ela conseguiu ter um acesso razoável. “Não foi fácil para a sociedade me aceitar. Eles começaram a falar sobre meu comportamento e minha honra, que é uma questão muito delicada no mundo árabe, mas minha família me dá muito apoio e confia em mim e no trabalho que eu faço.”
Gaza tem outros desafios, pois, por mais de 16 horas ao dia, não há eletricidade. Não é fácil para jornalistas que dependem de conexão com o mundo exterior. Para Ameera, trabalhar como freelancer e criar duas crianças sob essas circunstâncias, sem uma renda fixa, é um desafio ainda maior. Ela diz que água potável é acessível, mas tem um custo, boas escolas são escassas e a única disponível para o cidadão comum é privada. Porém, com sua vasta lista de contatos e seu alto reconhecimento internacional, com frequencia ela é a primeira fixer a ser chamada pelos jornalistas estrangeiros.
No ano passado, o Banco Mundial anunciou que Gaza estava à beira do colapso, com uma taxa de desemprego de 43%, a mais alta do mundo.
“Como as fronteiras estão fechadas, não há materias de construção, comida, gás de cozinha ou combustível entrando em Gaza”, diz Ameera. “Os israelenses só nos dão o que necessitamos no dia-a-dia, então quando há guerra ou quando é feriado em Israel, não recebemos nada.
Milhares de pessoas precisam deixar a Faixa de Gaza para trabalhar ou estudar e não podem, uma vez que vivemos literalmente como numa prisão.”
Durante anos Ameera tem ajudado emissoras como a BBC, CNN e Al Jazeera a encontrar histórias a que os fixers homens não conseguiam ter acesso. No princípio da sua carreira, a sociedade lhe causava problemas se ela trabalhasse até tarde da noite, mas, com o tempo, ela percebeu que ser mulher lhe dava acesso a histórias a que homens jamais conseguiriam ter, e isso tornou-se seu diferencial. Ela entra em cenas num país muçulmano que só poderiam ser descritas através dos olhos de uma mulher.
Na última década, Ameera viu e acompanhou jornalistas em muitas histórias, incluindo vício em drogas em Gaza, os túneis que serviram para resgatar pessoas do território e que agora estão fechados pelos egípcios e, obviamente, histórias de guerra. “Muitas histórias me comovem, especialmente, aquelas sobre crianças. Eu cobri muitas histórias em que as crianças eram as vítimas dessa guerra, e eu ainda guardo suas fotos e vídeos,” escreve Ameera. “Eu sou mãe e é difícil para mim ver essas crianças; imediatamente, me vem à cabeça a imagem dos meus próprios filhos”.
Ameera enfrentou desafios que poucas pessoas vão experimentar. Em fevereiro deste ano, ela foi convidada pelo TED 2016, no Canadá, para dar uma palestra sobre sua vida extraordinária. Aos 36 anos, ela fez sua primeira viagem para fora de Gaza.
Ela fala sobre seus sonhos de ser pilota, mas, como ela vive em Gaza, uma terra sem aeroporto, isso seria impossível. Em vez disso, ela é responsável pelos muitos jornalistas ocidentais que ela guia através das ruas de Gaza. Ela caminha sob uma linha tênue. Ela deve se assegurar que as pessoas permaneçam seguras e, ao mesmo tempo, que não cubram uma matéria que o Hamas não queira que seja divulgada.
As maiores histórias para a imprensa internacional acontecem quando os israelenses bombardeiam Gaza, época em que Ameera está mais ocupada. Ela diz que sente a responsabilidade de estar na linha de frente, de mostrar histórias importantes para sua sociedade à mídia internacional e, claro, ela sabe da natureza precária do seu trabalho. “Durante a última guerra, eu estava cobrindo o ataque ao Mecado Shyjaa’a quando os israelenses começaram a bombardear novamente.
Eu achei que não sobreviveria e liguei para minha mãe para pedir que ela cuidasse dos meus filhos e dizer-lhes o quanto eu os amo,” diz Ameera.
Ameera rompeu o tabu de mulheres trabalharem como jornalistas e nos últimos 10 anos muitas mais a seguiram na profissão. “Antes, quando eu comecei, muitas mulheres trabalhavam em outras áreas e algumas no jornalismo, mas somente nos escritórios ou para canais especiais, não em campo como eu. Mas, agora, temos algumas fazendo o mesmo trabalho que eu e estou feliz porque elas não têm que passar pelo que eu passei àquela época”, conta.
Para Ameera, não se trata apenas de mostrar ao mundo o que os moradores de Gaza passam, mas também de construir uma vida para sua filha de oito anos e seu filho bebê. Sua filha sonha em fazer o trabalho de sua mãe e fala inglês, mas a vida em Gaza é incerta e nunca fácil. “Em Gaza você não consegue imaginar como é seu futuro; você pode ser morto ou assassinado em qualquer guerra ou ataque.
Eu não sinto que temos um futuro; nós vivemos o dia-a-dia.
Claro que eu quero uma vida melhor para meus filhos, mas não há nada que eu possa fazer. Mesmo que eu não trabalhe como jornalista, eu estarei em perigo, já que não há lugar seguro em Gaza.”
Sobre a autora:
Leila Lak é jornalista, documentarista e Chefe de Reportagem da REVISTA DIASPORA.