Antes mesmo da posse do novo presidente americano, os efeitos de seu discurso de ódio já são sentidos pelos muçulmanos nos EUA
Leila LaK
Em 9 de novembro, o inimaginável aconteceu para milhões de liberais dos Estados Unidos, Donald Trump foi eleito o 45º presidente do país. Depois de meses de ataques verbais aos mexicanos, muçulmanos, mulheres e imigrantes, as eleições deixaram muita gente aterrorizada com a perspectiva de uma presidência com Trump.
O medo não é somente do presidente eleito Trump em si, mas dos efeitos que suas citações de ódio tiveram sobre os Estados Unidos.
As estatísticas do FBI sugerem que os crimes de ódio contra americanos muçulmanos aumentaram 65% em 2015.
Obviamente, esse pico pode ser parcialmente creditado ao fato de que mais casos foram denunciados. Incidentes de antissemitismo, crimes de ódio contra comunidades LGBT e latinos também aumentaram.
Um grupo que se autodenomina “Americans for a Better Way” enviou cartas a mesquitas do sul da Califórnia ameaçando fazer uma limpeza étnica. “Há um novo xerife (sic) na cidade, o presidente Donald Trump, e ele vai limpar os Estados Unidos e vai começar com vocês, muçulmanos”, diz a carta endereçada aos “Filhos de Satã”. A polícia está investigando o caso como crime de ódio.
CAIR, o Conselho Americano de Relações Islâmicas, a maior organização americana de direitos civis para os muçulmanos, pediu aos representados que denunciem qualquer caso de crime de ódio contra eles. Agora, o site do CAIR está lotado de histórias de ódio contra os muçulmanos nos Estados Unidos, como uma mulher que teve seu hijab quase arrancado em uma loja, e outros incidentes de violência contra muçulmanos ou pessoas confundidas com muçulmanos. Eles não responderam ao pedido de entrevista da Revista DIASPORA.
O chefe de gabinete da Casa Branca, Reince Priebus, recusou-se a descartar o cadastramento de muçulmanos. O nome indicado por Trump para conselheiro da Segurança Nacional é o general aposentado Michael Flynn, cuja visão pode ser definida como islamofóbica. Ele já disse que o Islã “é uma ideologia política” e que “definitivamente, se esconde atrás da fachada de religião”, uma visão que Priebus defendeu na ABC News como semelhante à do presidente eleito Trump. Essa hostilidade deixou a comunidade muçulmana, assim como as comunidades latina e judaica, receosas do futuro.
As eleições tiveram, porém, um fator positivo para a comunidade muçulmana.
Ilham Omar, uma mulher somali americana que usa hijab, foi eleita deputada estadual em Minnesota, posto mais alto já ocupado por um somali americano. Essa mulher de 34 anos foi para os Estados Unidos como refugiada da Somália, exatamente o tipo de pessoa que Trump prometeu manter fora dos Estados Unidos imaginado por ele. Sua família fugiu de Mogadíscio, assolada pela guerra, para um campo de refugiados no Quênia. Depois de 4 anos, foram reassentados nos Estados Unidos.
Omar recebeu muitas solicitações da imprensa e concordou em falar somente com os periódicos mais importantes. Sua luta, desde que era uma menina de 12 anos que mal falava o inglês, até tornar-se uma figura política eleita, chamou a atenção do mundo todo. Seu programa liberal, que inclui trabalhar pelos muçulmanos, por pagamento igual para mulheres e por melhores escolas, está em franca oposição à retórica de Trump.
Poucos dias antes da vitória, Trump foi a Minnesota – onde vivem 75% dos somalis americanos – e chamou a imigração de somalis americanos de “desastre”.
“Aqui em Minnesota, vocês viram em primeira mão os problemas causados pela habilitação errada de refugiados, pois um número enorme de refugiados somalis entrou em seu estado sem seu conhecimento, sem seu apoio e sem sua aprovação”, disse Trump. “Alguns deles apoiam o ISIS e espalham suas ideias extremistas para todo o país e o mundo.”
Esse discurso foi feito depois que 3 homens de origem somali admitiram ter entrado para o ISIS. Autoridades dizem que 30 jovens de origem somali saíram de Minnesota para entrar para o Al Shabab na Somália. Omar afirma que retóricas como essa de Trump afastam os jovens somalis e os levam ao islã militante.
Em um Congresso e uma Câmara dos Deputados dominados por republicanos, Omar terá de lutar para ser ouvida. Nos Estados Unidos onde os muçulmanos são os principais alvos de crimes de ódio, sua vitória parece ter sido uma pequena onda em um gigantesco oceano de intolerância.
SOBRE A AUTORA:
Leila Lak é jornalista, documentarista e Chefe de Reportagem da REVISTA DIASPORA.