O antropólogo Tiago Dias Duarte explica o plebiscito sobre a independência da minoria curda no norte do Iraque e o porquê de seu fracasso estratégico
Tiago Duarte Dias
No dia 25 de setembro, a região do Curdistão Iraquiano, no norte do país, realizou um referendo em relação a uma possível independência da região do governo central em Bagdá. Tal desejo de independência curda em relação ao Iraque, e de maneira geral, em relação aos estados no qual o Curdistão estaria presente (além do Iraque, Síria, Turquia e Irã) já é um desejo antigo de grande parte da população curda. Em relação ao Curdistão Iraquiano, a ideia de um plebiscito oficial que exprimisse o desejo de estabelecimento de um Estado-nação curdo encontra ecos em 2005, quando um plebiscito não-oficial foi realizado, na esteira da invasão iraquiana pelos Estados Unidos. Em 2014, o governo regional de Masoud Barzani também se manifestara sobre os desejos da região em realizar uma consulta popular em relação à independência da região, entretanto, o surgimento do ISIS acabaria por adiar tal referendo até o ano de 2017.
Finalmente, nesse ano, a população do Curdistão Iraquiano seria consultada sobre os seus desejos em relação a Bagdá. Com aproximadamente 93% dos votos pró-independência, entre aproximadamente 73% da população da região, o referendo pode ser visto como uma manifestação clara do desejo de independência curda. Entretanto, como era de se esperar, tal movimentação curda acabaria por gerar reações dos diversos países da região, especialmente aqueles que possuem uma população curda de número relevante em seu território. A Turquia e o Irã se posicionaram, abertamente, contrários ao referendo e, inclusive, ameaçaram militarmente a região curda caso o plebiscito fosse levado à fruição, além de fecharem as fronteiras de seus países com a região e proibirem voos destinados aos aeroportos locais. Junto a isso, a afirmação síria em prol da unidade iraquiana serve para demonstrar o quanto esses estados ainda temem a imensa minoria curda dentro de suas fronteiras.
A comunidade internacional manteve, de maneira geral, uma posição um tanto distante dos acontecimentos no Curdistão Iraquiano. Alguns países, como a China e a França, afirmaram que a manutenção territorial seria uma questão essencial, enquanto outros países, como a Rússia e o Reino Unido, mantiveram a posição de que apoiariam um referendo, caso o mesmo ocorresse em concordância com a constituição iraquiana e com o direito internacional. De qualquer maneira, a posição mais importante – a norte-americana – foi a de que tal referendo não seria aceito – e que a manutenção territorial do Iraque seria essencial, além de ser uma distração em relação ao objetivo de eliminação do Estado Islâmico. O único país a apoiar o plebiscito e o seu resultado foi o Estado de Israel.
Por fim, o resultado mais claro, em termos políticos e estratégicos, foi a ocupação de Kirkuk por tropas leais a Bagdá, com apoio de grupos xiitas ligados ao Irã. A cidade de Kirkur, historicamente curda e que, durante o governo de Saddam Hussein, sofreu uma colonização árabe como estratégia do ex-ditador em minar a influência curda na região, devido às grandes presenças de petróleo no local, havia caído novamente dentro da esfera de influência curda após os soldados leais a Bagdá a terem abandonado com a invasão do ISIS e a mesma ter sido retomada pelos peshmerga – soldados leais ao Governo Regional do Curdistão. Como represália pelo referendo, o governo iraquiano decidiu atacar tal cidade, e os soldados curdos a abandonam, evitando assim o conflito e agindo tal qual os iraquianos fizeram três anos antes.
Assim, Barzani, ao convocar o referendo, esperava ter, no mínimo, uma posição mais forte para barganhar, tanto frente à comunidade internacional, quanto ao governo iraquiano, além de ter uma legitimidade maior para uma possível declaração de independência frente ao governo de Bagdá. No entanto, se viu perdendo grande parte do território sob controle curdo ,e com o mesmo, grande parte das fontes de renda da região. Se Masoud Barzani pensou que tal plebiscito fosse consolidar também a sua posição frente à política curda local, errou novamente, posto que a resposta do mesmo frente aos ataques foi vista como um sinal claro de fraqueza e incapacidade de pensamento estratégico. Portanto, se, em 2014, o referendo parecia uma possibilidade para a população curda de estabelecimento de um Estado-nação, hoje, após o mesmo ter ocorrido, e com apoio majoritário, tal possibilidade encontra-se mais distante.