Artista plástico sírio refugiado em Dubai explica as mudanças em sua forma de criar e como não consegue deixar de produzir para “fazer uma declaração artística com sensibilidade”.

Por Leila Lak

No dia 5 de setembro de 2011, a vida de Tammam Azzam mudou para sempre. Com 30 anos, o artista sírio foi obrigado a fugir de sua terra natal e começar uma nova vida no exílio em Dubai. Azzam foi lançado à fama internacional quando seu trabalho intitulado “Freedom Graffiti” (foto ao lado) se tornou viral nas redes sociais. Ele sobrepôs a tela “O Beijo”, de Klimt, em uma fotografia de um prédio sírio destruído 

“Eu estava trabalhando em uma série em Damasco antes de sair, que se chamava ‘Série da Lavanderia’. Implicava em pegar roupas das ruas de Damasco e fazer colagens. Mas tudo isso acabou quando eu me mudei para Dubai”, relembra Azzam em entrevista por Skype à revista Diáspora. “Eu não me preocupo com as pessoas aqui em Dubai como me preocupo com meu próprio povo”, afirmou.

“O Beijo”, uma pintura de dois amantes entregues em um beijo cercados por entornos dourados bizantinos, é uma imagem que evoca amor, desejo e prazer – algo muito distante dos prédios destruídos na Síria. Essa obra foi a última de uma série de fotografias que ele criou utilizando pinturas famosas.

Azzam afirma ter se inspirado na declaração do artista espanhol Francisco de Goya sobre sua pintura “Três de Maio de 1808 em Madri”, sobre a qual ele diz que 80 pessoas foram mortas só naquele dia nas ruas da Espanha. “No nosso país, temos o Três de Maio todos os dias. Isso me fez pensar em como fazer uma declaração artística com sensibilidade sobre o que todos vêem todos os dias”, explica o  artista. Com essa ideia, ele começou a escolher pinturas icônicas relacionadas ao mesmo tema. “Mona Lisa”, “O Grito” e então “O Beijo”.

Azzam já era um artista consagrado em seu país.  No começo trabalhava com pintura a óleo e mudou lentamente para design gráfico, para gerar alguma renda. Ele afirma que após o começo das revoltas no Mundo Árabe se tornou uma pessoa diferente. “Você vê coisas que nunca imaginou ver. Como, por exemplo, a morte estar perto todos os dias e isso se tornar normal”, afirma.

Mesmo depois de quatro anos, sente-se muito desconectado de Dubai. É o local onde está sua casa e estúdio, mas sua inspiração ainda vêm da Síria. “Não é que eu sinta saudades da Síria. Reconheço que tenho que criar um novo futuro, mas não consigo me ver ou encontrar meu material aqui”, reflete.

Exportando stêncils

Como artista de grafite, Azzam se diz limitado em suas opções de técnicas, já que o grafite é estritamente proibido em Dubai. Em vez disso, Tamman faz stêncils [forma de grafite de aplicação rápida, com uma tela] em seu estúdio e manda para fora do país, onde seu trabalho é exibido em prédios em diferentes cidades, mais recentemente na cidade de  Saraievo. “Meu sonho é ver meu trabalho de verdade em meu próprio país,” acrescentou.

A dificuldade para explicar a situação da guerra para sua filha aumenta, diz o artista, quando não há nada de ruim acontecendo em Dubai, onde vive hoje.

Tamman Azzam diz ter certeza de que não poderá voltar ao seu país por pelo menos dez anos. Ele teme que a situação esteja se deteriorando e que as potências internacionais usem a Síria para seus próprios objetivos.

Nesse meio tempo, Azzam mantém vivo o sonho de seu país nas histórias que conta para sua filha de oito anos. Ele e sua esposa passam parte do tempo tentando explicar a situação para ela, além de explicar  como,  ainda que esteja perto, Dubai parece ser um mundo distante. A dificuldade aumenta, diz o artista, quando não há nada de ruim acontecendo em Dubai.

SOBRE A AUTORA:

 

Leila Lak é jornalista, documentarista e Chefe de Reportagem da REVISTA DIASPORA.

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