Por Ana Maria Raietparvar

 

No início de 2014, fiz uma viagem à Palestina, em que visitei uma amiga e aproveitei para conhecer de perto o território, o povo, e entender melhor o conflito. Entre muitos falafels, um bom acolhimento, inspeções de segurança no aeroporto, checkpoints, fui conhecer Hebron, na Cisjordânia. Lá, esperava por mim e por dois amigos companheiros de viagem, um brasileiro que trabalha como observador internacional de direitos humanos, ativista bastante engajado na causa palestina. Para quem não sabe, Hebron é uma das cidades onde o conflito é mais acirrado, tem maioria da população muçulmana e uma colônia israelense localizada no centro da cidade. A cidade é importante, sobretudo, por abrigar o Túmulo dos Patriarcas, local sagrado onde estariam enterrados alguns personagens importantes para as três religiões monoteístas, entre eles, Abraão. Em 1994, um colono israelense de extrema-direita atirou a esmo na Mesquita localizada no Túmulo dos Patriarcas matando 20 pessoas e, para evitar represálias, o governo israelense cercou parte do centro da cidade onde fica a colonia, impedindo que moradores palestinos que não residem nessa área entrem. A rua onde fica o checkpoint impedindo a entrada de palestinos chama-se Shuhada Street. Mas é mais conhecida como Apartheid Street, ou Rua do Apartheid. Neste checkpoint, presenciamos uma cena de crianças palestinas tacando pedras nos jovens soldados israelenses, por terem prendido um garoto. Em resposta, os soldados jogavam bombas de gás para tentar dispersá-los. Minha maior surpresa foi a naturalidade com que nós brasileiros presenciamos a cena. Nada daquilo parecia mais assustador, como eu acreditava até então, do que o cotidiano vivido por milhares de jovens nas favelas Brasil afora. Chegando a Belém, onde eu me hospedava, comentei com um amigo palestino minhas impressões. Sua resposta foi bastante elucidativa: “É muito diferente. Porque aqui, isso é legalizado e institucionalizado”.

Acredito que sua resposta, mais do que permitindo uma conclusão definitiva, permite uma reflexão que se mantém mais do que atual, sobretudo nesses tempos de crise política que vivemos no Brasil.

Para nos ajudar a pensar em soluções para os conflitos, nesta edição, trazemos então um Dossiê BDS, movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções, organizado pela sociedade civil palestina na tentativa de pressionar o Estado de Israel a cumprir diversos direitos fundamentais do povo palestino.  O objetivo do Dossiê é apresentar uma pluralidade de opiniões, a favor e contra, de forma que o leitor possa aprofundar seu conhecimento e entender o debate que está colocado a respeito do Boicote.

Para contextualizar o movimento, Leila Lak entrevista Pedro Charbel, coordenador do Comitê Nacional BDS para a América Latina.

No Dossiê propriamente, contamos com textos dos antropólogos norte-americanos Ilana Feldman e David M. Rosen, que escreve com Alex Weingrod, e o dinamarquês Thomas Blom Hansen, trazendo diferentes posições sobre o boicote acadêmico a Israel que está sendo discutido pela AAA (American Anthropological Association), Associação Americana de Antropologia. Ainda sobre o boicote acadêmico, apresentamos as opiniões dos historiadores brasileiros Monique Sochaczewski e Michel Gherman, que escreve com Daniel Douek. Já de uma perspectiva ativista, o Dossiê conta com os textos da jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh e do analista político israelense Micha Kurz.

Além do Dossiê BDS, o terceiro número da Revista Diáspora conta com matérias que trabalham distintos temas. A antropóloga Francirosy Campos Barbosa esclarece as nuances do islã político, suas origens e vertentes em “ Islã: religião ou política?”. Escrevendo diretamente da Sérvia, Ariel Pires de Almeida narra um pouco da situação dos refugiados sírios no Leste Europeu e as consequências dos últimos acordos da União Europeia para a crise humanitária no texto “ Na Fronteira de uma Europa Dividida”. Na seção de Cultura, Dally Velloso Schwarz entrevista a dançarina e coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen, contando um pouco do seu trabalho e de sua passagem pelo Brasil; ainda nessa seção, Leila Lak compartilha um pouco da interessantíssima exposição londrina “Unbreakable Rope: Islam and Sexuality”, que aborda as relações entre islã e sexualidade.

Espero que gostem e boa leitura!

Ana Maria Raietparver

Editora

É Antropóloga, editora da revista Diáspora, pesquisadora do – CEPOM/UCAM e da NEOM/UFF.

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