Por Liza Dumovich

 

Entre os dias 25 e 27 de abril, estive em Baku, Azerbaijão, representando a Revista DIASPORA no 7th UNAOC Global Forum. O Fórum Global é o evento de maior importância realizado pela Aliança das Civilizações das Nações Unidas e reúne personalidades, como chefes de Estado, e parceiros de diferentes setores, como a ISESCO (Islamic Educational, Scientific and Cultural Organization) e a IOM (International Organization for Migration), dentre diversas organizações internacionais e regionais, fundações e grupos da sociedade civil.

A Aliança das Civilizações foi criada em 2005, pela iniciativa do então primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, com o suporte do atual presidente da República da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que à época, ainda como primeiro-ministro, reunia esforços para a adesão do seu país à União Europeia. A proposta da Aliança era dar conta de uma demanda por diálogo entre o que se chamou de Oriente e Ocidente, sejam essas categorias entendidas como regiões, civilizações ou “culturas”. Com o intuito de trabalhar pela paz mundial, ela atuaria através de políticas voltadas para a construção do respeito mútuo e a celebração da diversidade cultural, sobretudo, a religiosa. Após oficializar a sua formação, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, anunciou o estabelecimento do High-Level Group, a cúpula encarregada de liderar a iniciativa. Ao grupo, caberia propor respostas aos desafios dos tempos atuais, a saber, os crescentes extremismo, intolerância, e violência que caracterizariam as tensas relações entre os povos.

Ao fim de várias reuniões do High-Level Group e de articulações com o Group of Friends, realizou-se em Madri, no ano de 2008, o primeiro UNAOC Global Forum, seguido de edições em Istambul (2009), no Rio de Janeiro (do qual também tive a oportunidade de participar, em 2010), em Doha (2011), Viena (2013), Bali (2014) e, finalmente, Baku (2016).

Na capital Baku, nos discursos oficiais, o terrorismo resumia os desafios dos tempos atuais, visto como a resposta violenta e irracional produzida pelos indivíduos sem identidade, perdidos em meio aos efeitos da globalização. A vinculação entre terrorismo e islã era onipresente, ainda que no pleonasmo de denunciar a si própria.

O uníssono das Sessões Plenárias e Cerimônias de Abertura e Encerramento, contra “a intolerância, a violência e o terrorismo”, termos já banalizados na culpabilização de um “outro” qualquer, foi interrompido pelas declarações de José Luis Rodríguez Zapatero, que se distinguiram das demais ao apontarem a ironia de a Europa fechar as suas fronteiras para os refugiados vindos dos países onde ela própria interveio diretamente ao longo do século XX e ainda intervém. O ex-primeiro-ministro da Espanha também foi o único, dentre presidentes, ministros e outros poderosos, a lembrar aos espectadores da Causa Palestina, conflito chave para entender o Oriente Médio, e da necessidade de falar sobre o Estado de Israel e de suas obrigações frente à comunidade internacional em relação aos palestinos e à criação de um Estado seu.

A recepção ao presidente da Turquia foi surpreendente, com os enérgicos aplausos da plateia de maioria azeri. Em seu discurso na Cerimônia de Abertura, Erdogan defendeu a reconciliação em detrimento da polarização e denunciou a islamofobia e o racismo generalizados. Ao tratar do tema dos refugiados sírios e iraquianos, afirmou que “a humanidade se afogou”, ao citar o simbólico caso do bebê Aylan Kurdi, e contrapôs a Turquia – segundo seus cálculos, já com cerca de 3.000.000 de refugiados – aos países “ocidentais”, que os negam. Na luta contra o terrorismo, mandou o seu recado: “Meu país vive tempos de desafio”.

Porém, as palavras do presidente turco em defesa da tolerância, do respeito e diálogo, já enfraquecidas por medidas antidemocráticas tomadas nos últimos anos, perderam o sentido dois meses e meio depois. A tentativa de golpe do 15 de julho serviu de pretexto para uma violenta repressão à oposição ao seu governo e para o abandono de uma antes promissora democracia.

Era nas Breakout Sessions onde se viam esforços traduzidos em ações voltadas para a luta contra toda forma de incompreensão do outro. Nessas sessões, grupos e indivíduos da sociedade civil apresentavam suas iniciativas, projetos já realizados, sob diversos formatos e de múltiplos conteúdos, como um documentário sobre o trauma entre jovens refugiados sírios na Austrália, a organização de um coletivo de artistas imigrantes nos EUA ou um aplicativo para detectar e combater discursos de ódio na rede. Embora distintos quanto às questões apontadas, às ações propostas e ao público-alvo, os projetos reuniam os mesmos objetivos: humanizar indivíduos de minorias estigmatizadas, ao aproximá-los do público através das diversas mídias e tecnologias de informação e comunicação.       

Estima-se que, aproximadamente, 6.000 pessoas provenientes de todas as partes do mundo tenham passado pelo 7th UNAOC Global Forum e experimentado uma das maiores ações conjuntas no sentido da paz mundial. Resta saber se, de fato, as boas intenções políticas escaparão à performance para se materializar na vida real ou se a sociedade civil tomará a frente das mudanças, como o principal agente na construção de um mundo mais tolerante e justo.

Sobre a autora:

 

Liza Dumovich é Antropóloga e Coeditora da REVISTA DIASPORA.

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