MURILO SEBE BON MEIHY
Esqueçam o zodíaco convencional. Para adquirir um conhecimento sobre o Oriente Médio que fará aquele efeito bacana na próxima “festa estranha com gente esquisita”, basta estar antenado com a nova tendência New Age do momento: as análises de historiadores, internacionalistas, jornalistas e economistas midiáticos sobre as crises sofridas por uma porção de terra que vai do Marrocos ao Afeganistão.
Terra de mistérios, o Oriente Médio dá lugar ao Oriente “Mais ou Menos”, onde, lá e cá, tudo é incenso, magia, e palpites retirados dos blogs dos gurus de grande centros do esoterismo acadêmico: Harvard, Oxford, Sorbonne, e Berkeley, a Atlântida do kebab. Não é feitiçaria, é vodu intelectual mesmo. Dá até saudades do tempo em que Plutão era um planeta, Paulo Coelho flanava pelo Líbano, e Israel era a verdadeira democracia do Oriente Médio. Mas vejamos o que os astrólogos acadêmicos têm a dizer sobre o deus Sol Edward Said, e os profetas do Apocalipse, Bernard Lewis, Samuel Huntington, Benny Morris, e por que não, William Waack.
Acadêmico Áries: raivoso e certeiro, seu tema preferido é a guerra. Fala com desenvoltura dos cadáveres na Palestina, das execuções públicas na Arábia Saudita e resume tudo no Oriente Médio a “tiro, porrada e bomba”. Dono de um bom coração, tem uma fé cega na diplomacia e acha que a ONU, a OTAN e a Liga Árabe são atores relevantes, o que faz com que esse intelectual transpire a inocência que os próprios cidadãos do Levante já perderam há muito tempo. Seus temas preferidos são: o programa nuclear iraniano, a Guerra Civil da Síria, e o amor bandido entre Putin e Erdogan.
Acadêmico Touro: teimoso, glutão e ciumento, acredita que é o dono do tema que trabalha, descaracterizando opiniões divergentes. Voltado para os prazeres da vida, suas análises são como receita de esfiha de rodoviária: mais tempero do que recheio. Não dispensa uma boa cerveja libanesa, enquanto comenta temas particulares como os modelos nacionais da Turquia, do Líbano e do Afeganistão. Ama o burkini, as odaliscas, e tem “fome de informação” inútil. Não gosta de Cabala, e acha que Beirute é um sanduíche e que Damasco combina com sorvete de pistache.
Acadêmico Gêmeos: sempre inconstante, tem opiniões vacilantes. É capaz de dizer na mesma frase que o Estado Islâmico é um Estado, mas não é islâmico. Lê o futuro do Oriente Médio na borra do café, mas só toma o descafeinado de cápsula. Acha que quem dá as cartas na região são os “atores internacionais”, como Putin, Obama, e a União Europeia, terminando suas previsões com a máxima: “tenho certeza disso, mas tudo pode mudar dependendo do contexto”. Seus temas preferidos são os contraditórios: democracia pós-Primavera Árabe, o direito de voto das mulheres na Arábia Saudita, bem como a “beleza” da Rainha Rania, e a feiura do Rei Abdulah II, ambos da Jordânia.
Acadêmico Câncer: sensível, romântico e sonhador. Chora ao vivo ao ver as notícias sobre os refugiados sírios, mas a presença de menores de rua no semáforo de uma grande cidade brasileira incomoda essa frágil personalidade. Sua carência de guru do Oriente Médio se alimenta do carinho dos fãs, o que faz com que sua opinião seja aquilo que o público quer ouvir. Fala que Israel tem o direito de se defender ao atacar Gaza para uma plateia da comunidade judaica, e defende a resistência palestina em debates organizados por grupos de esquerda em algum auditório de uma universidade pública. Na dúvida, termina suas previsões com o choro de quem acha que a morte do Kadafi foi muito violenta, e que o Obama mereceu o Nobel da Paz, em 2009.
Acadêmico Leão: é sempre o centro das atenções e fala sobre tudo com aquele brilho no olhar de quem tem certeza dos dados que apresenta, sem nunca ter aberto um livro sobre a História do Oriente Médio. Midiático, não pode ver um holofote aceso, e passa mais tempo descrevendo seu currículo do que analisando as crises da região. Seus temas preferidos são os mega eventos: a Primavera Árabe, a destruição dos sítios arqueológicos de Palmira pelo Estado Islâmico, e vê o Oriente Médio a partir de uma mesa de um café na orla de Beirute. Não engasga quando entra ao vivo nos programas, não se incomoda com as vaias, e sempre usa termos em árabe, persa e urdu no meio das frases para dar aquele tom esnobe às suas conclusões.
Acadêmico Virgem: para esse guru perfeccionista, tudo é estatística, gráfico e tabela. Não tem nada a dizer se perde o pen drive com aquela apresentação de PowerPoint colorida e organizada. É uma espécie de “intelectual de gabinete”: sabe tudo sobre as taxas de analfabetismo entre cidadãos marroquinos anões canhotos da periferia de Marraqueche, desprezando os grandes conflitos da região, já que, na guerra, tudo é bagunçado, desordenado e cheio de poeira e destroços. Os temas que despertam sua vocação discursiva: a variação do preço do petróleo nos últimos quarenta anos, o crescimento do PIB dos Emirados Árabes, e que o problema da Síria é ter um presidente que não sabe ajustar a cor do sapato com o cinto.
Acadêmico Libra: equilibrado e austero, sempre se adapta às mudanças de um cenário político instável. Quer abraçar os refugiados e aqueles que vivem no exílio, e sabe combinar o caos do Oriente Médio com estrangeirismos conceituais que o grande público não entende, tais como: “Soft Power”, “Entourage”, “Displacement”, e “Think Tank”. Está preocupado com os rumos da Política Externa brasileira para o mundo árabe, mas acredita que José Serra é melhor que Celso Amorim. Sua frase de efeito é: “ainda é cedo para avaliarmos essa situação”. Pronuncia a palavra Kuwait com sotaque britânico, mas não sabe se utiliza as letras “c” ou “q” para escrever Q(C)atar.
Acadêmico Escorpião: silencioso e vingativo. O foco de suas análises está naquele que acredita ser o culpado dos conflitos da região. Para ele, tudo pode ser explicado pelo sectarismo religioso, pelo radicalismo islâmico, e torce pela militarização da sociedade civil árabe. Cada vez que um líder do Oriente Médio dá um golpe de Estado e desloca tanques de guerra para as ruas, o acadêmico de escorpião não consegue esconder aquele sorriso contido no canto da boca. Repete as palavras “xiitas” e “sunitas” como um mantra, sabe tudo sobre a al-Qaeda, e entende como ninguém o discurso do Boko Haram, mas não conta sobre isso lá em casa.
Acadêmico Sagitário: o aventureiro do zodíaco. Acha que a salvação do Afeganistão é o turismo, e sonha em fazer esportes radicais nas Colinas de Golã. No fundo, o que importa no Oriente Médio é seu lado exótico e sensual. Entende tudo sobre a fotografia do cinema iraniano, frequenta festinhas no Clube Monte Líbano e se apaixona pela beleza das guerrilheiras do Curdistão. Seus temas preferidos são: o feminismo nos países árabes, os carros luxuosos dos sauditas, e a arquitetura das mesquitas.
Acadêmico Capricórnio: para esse ambicioso analista, tudo é dinheiro. Seu reino é a economia do Oriente Médio, combinando termos como “royalties”, “commodities”, e a venda de armamento ao destino de todos os países da região. Acredita ingenuamente no poder econômico da OPEP, designando um papel secundário para o povo e para as crises humanitárias nos distintos cenários do mundo árabe. Cada vez que a Arábia Saudita declara déficit orçamentário, ou o Líbano pede dinheiro emprestado ao FMI, o capricorniano sabe que é a sua hora de brilhar na TV.
Acadêmico Aquário: mais que um romântico, um idealista. Apesar de limitada, sua agenda de comentários midiáticos é certeira. Defende a Palestina, quer um Curdistão livre, a queda de Bashar al-Assad na Síria, mas acha que dar bom dia ao porteiro é um altruísmo pequeno demais para quem veio ao mundo para ajudar a construir a paz entre os povos. Acredita no poder das ONGs, na volta dos partidos comunistas no Oriente Médio, mas gosta mesmo de quando a emissora de TV manda um carro com motorista e ar condicionado buscá-lo em casa para entrar ao vivo na Fátima Bernardes. Gosta de homus e babaganuche porque são pratos veganos.
Acadêmico Peixes: é, ao mesmo tempo, avoado, anacrônico e imaginativo. Não gosta do óbvio, pois sempre tem uma informação confusa e bombástica sobre o Oriente Médio. Acredita em duendes, Saci Pererê, e acha que o que falta ao Iraque é amor. Defende com unhas e dentes que a missão do Brasil é levar professores de pandeiro para o conflito na Síria, e que a falta de democracia nos países árabes se resolve com a exportação de urnas eletrônicas brasileiras. Seu tema preferido, chegando a ser o único que possui maestria nos comentários, é a qualidade do haxixe do “Middle East Vida Loka”.
No final, acho que é isso… Sei lá, entende… Só que não!
SOBRE O AUTOR:
Murilo Sebe Bon Meihy é doutor em Estudos Árabes pela USP, Professor de História Contemporânea na UFRJ e colunista da Revista DIASPORA. Suas pesquisas se concentram em temas relacionados ao Oriente Médio, à África e aos árabes no Brasil.