Por Mariana Durão
A produção do cineasta muçulmano britânico Abrar Hussain levou 18 meses para ser realizada, sendo oito à espera de permissões do governo Saudita. O diretor foi o primeiro a fazer uma filmagem profissional sobre o cotidiano da mesquita de Meca.
A narrativa se desenrola ao longo das cinco orações diárias do islã: Fajr (alvorecer), Dhuhr (ao meio-dia), ‘Asr (tarde), Maghrib (ao pôr do sol) e ‘Isha (noite). O Haram é mostrado pelos olhos dos trabalhadores de alguns de seus departamentos, dentre os quais Mídia, Zam Zam (o poço que disponibiliza água considerada sagrada), Limpeza, Assuntos Religiosos e Kiswah (responsável por confeccionar a manta homônima usada para cobrir a Caaba).
A estrutura por trás dos rituais na mesquita impressiona. Centenas de homens com mochilas térmicas abastecidas de água são mobilizados para matar a sede de peregrinos vindos do mundo inteiro, em um esquema semelhante ao adotado por grandes festivais de música. Aos funcionários do departamento de Assuntos Religiosos cabe organizar o formigueiro humano em volta da Caaba, separando os homens das mulheres.
A fabricação da enorme manta negra e dourada que adorna a Caaba se dá em uma verdadeira linha de produção, onde cada engrenagem é fundamental. A tecnologia é outra ferramenta importante no cotidiano do Haram, passando pelo monitoramento do local até o uso de redes sociais para comunicação com o público.
Em entrevista após a premiére do documentário em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Hussain contou que um dos desafios do projeto foi fazer um filme que cativasse muçulmanos e não-muçulmanos.
“Há um enorme interesse do Ocidente pelo islã. As pessoas estão ansiosas para saber mais. Eu queria garantir que fizéssemos algo muito bonito visualmente, mas também interessante, de modo que um não-muçulmano pudesse assistir o filme e aprender algo sobre o islã, ver o quão pacífica e bela é essa religião. O que é publicado pela mídia ocidental não é necessariamente um retrato acurado”, disse.
Em sua peregrinação pessoal para divulgar o documentário, o diretor já passou por sete países – Inglaterra, Bélgica, Dinamarca, Emirados Árabes, Arábia Saudita – onde as salas de cinema só foram reabertas recentemente – e África do Sul. Hussain também vai aos Estados Unidos e diz que gostaria de exibir o documentário no Brasil por se tratar de “um país multicultural”.
Em um debate com a plateia em Dubai, o cineasta contou ter se arrependido de não incluir uma perspectiva feminina no documentário. Uma espectadora muçulmana questionou a ausência de informações sobre o departamento de Segurança. Em 2015 um tumulto levou à maior tragédia da história do Haram. As autoridades sauditas reconheceram a morte de 769 peregrinos, mas a imprensa reportou um total de 2.297 cadáveres repatriados a seus países.
Na tentativa de tornar a peregrinação a Meca mais segura está em curso uma expansão que elevará a área do Mataaf (entorno da Caaba) de 150 mil para 210 mil metros quadrados, dobrando a capacidade de circulação de peregrinos. A primeira fase será concluída em 2020.
Hussain optou por utilizar tomadas aéreas para dar ao público a real dimensão da multidão que frequenta o Haram. O mesmo recurso foi usado para mostrar Meca como uma cidade que nunca dorme, graças ao movimento constante de peregrinos. A ideia é que os muçulmanos que ainda não puderam conhecer o local sagrado se inspirem e tenham acesso a ele por meio do documentário.
Um dos desafios do diretor foi filmar em uma locação constantemente lotada de fiéis. “A maior dificuldade foi fazer as cenas do jeito que queríamos, sem pessoas acenando ou olhando para a câmera”, relatou. “Tínhamos que ser cuidadosos para não comprometer a experiência emocional dos peregrinos. Há pessoas que gastam as economias de uma vida para estar ali”.
Após exibições em vários países a ideia é que One Day in the Haram seja exibido em canais de TV e serviços de streaming.
Para saber mais:
http://onedayintheharam.com/