Documentário revela experiência da banda de blues libanesa The Wanton Bishops em solo americano    

‘WALK IT HOME’:                                                                                                                                                                                               Ben Holma,  Red Bull TV 2015.


Por Leila Lak 


O blues e a cidade de Beirute não são duas palavras que você geralmente vê numa mesma frase, mas a primeira banda de blues libanesa The Wanton Bishops está acrescentando o estilo à eclética cena musical local. Ben Holman, um documentarista inglês que vive no Brasil, acompanhou a jornada da banda do Líbano até o extremo sul dos Estados Unidos.

“Beirute me lembra o Rio há 10 anos atrás,” diz Holman sobre sua estadia na capital libanesa. Holman foi enviado a Beirute pela Red Bull para filmar a viagem do gaitista e cantor Nader Mansour e do guitarrista Eddy Ghossein aos Estados Unidos. Seu longa-metragem, Walk it Home, captura o percurso desde as movimentadas ruas de Beirute até os pântanos de Nova Orleans.

“As pessoas são muito abertas (no Líbano). Eu entrei num taxi no aeroporto e o motorista me ofereceu um cigarro. Eu não fumo, mas aceitei porque pensei, ‘que gentil’, ” diz Holman.

O que mais o impressionou sobre Beirute foi a espontaneidade das pessoas e que, como no Rio, cidade que adotou para viver, as pessoas vivem o momento.

“As pessoas estão vivendo em circunstâncias extremas, em que a morte é uma ameaça constante,” diz ele. “Há dez anos, a violência nas favelas era mais presente, a ditadura mais recente na memória e, em Beirute, há o medo constante da guerra. Não é que a vida seja banal, apenas dá às pessoas uma atitude mais despreocupada.”

Num país onde a indústria musical não é um grande comércio estabelecido, Mansour e Ghossein não conseguem viver da venda de discos e de shows. “É clichê, mas eles são libaneses e comerciantes, roqueiros à noite e comerciantes durante o dia” diz Holman. Mansour é dono de bares e Ghossein trabalha com equipamentos médicos.

A cidade de Beirute é pequena, em um país pequeno e há poucos estúdios de gravação e gravadoras. The Wanton Bishops lota os seus shows que ocorrem duas vezes ao ano, mas, provavelmente por cantarem em inglês, a audiência e o potencial de alcance são pequenos. O Líbano tem muita gente que foi morar fora no mundo todo e retornou, então a geração mais nova tende a falar inglês ou francês ou, geralmente, as duas línguas, mas é somente um estrato da sociedade. As bandas mais bem-sucedidas, como a banda de rock alternativo Mashrou’ Leila, cantam em árabe.

 A cultura jovem em Beirute é altamente criativa e as ruas de bairros como Hamra estão cheias de bares, clubes e galerias.

Holman ficou impressionado com as semelhanças visuais entre Beirute e o Rio de Janeiro, com as duas cidades entre as montanhas e o mar. Mansour, como muitos libaneses, passa muito do seu tempo fugindo da cidade em direção à casa da sua família, nas montanhas que crescem acima da cidade. Montanhas estas que se cobrem de neve no inverno e de figueiras e oliveiras no verão, com exuberantes paisagens verdes e córregos de águas cristalinas, remetendo às descrições bíblicas do Éden, que tornam as terras da região tão sagradas para muitas religiões e localizadas a um mundo de distância da paisagem que deu origem ao blues.   

Para Mansour e Ghossein, por terem crescido no Líbano e possuírem o passaporte libanês, viajar não é tão fácil, uma vez que há dificuldade para conseguir os vistos. Essa foi sua primeira viagem aos Estados Unidos e Holman teve que planejar sua viagem meticulosamente, já que os dias de gravação eram limitados. Eles passaram pelas profundezas do sul dos EUA, seguindo os caminhos do blues: Mississípi, Nova Orleans e os pântanos da Luisiana. Enquanto viajam de barco pelos pântanos, Mansour poeticamente descreve a água como um“Bourbon escuro”, e você sente o ambiente entrando na consciência dos dois músicos. Eles conheceram vários blues men em sua viagem e tocaram com algumas lendas, como Vasti Jackson e Glenn David Andrews. Para os dois homens na faixa dos 30 anos, que se voltaram ao blues ainda cedo, essa homenagem à terra do estilo de música por eles escolhido é palpável.

Antes da peregrinação, os shows em Beirute tinham um tom mais de rock, mas, conforme a viagem segue, eles voltam para a raíz do blues, adicionando um toque do Oriente.

“Você pode ouvir o chamado à oração na entonação deles,” diz Holman, “O Islã tem soul!”

À medida que eles viajam, são convidados a tocar nos espaços mais importantes do blues e, embora suas habilidades musicais possam não ser tão boas quanto às dos grandes nomes do gênero, Holman diz que a sinceridade deles foi muito bem recebida.

Mansour diz que ele pode ser o melhor gaitista do Líbano, mas acrescenta que isso não diz muito. Durante a viagem, os dois músicos puderam aprimorar suas habilidades musicais, uma vez que tocar com músicos tão talentosos era um desafio.

Holman diz sobre o filme que, devido à falta de tempo, não houve muita chance para o improviso. Mas tiveram também seus momentos de espontaneidade, que se traduziram em cenas mágicas do filme. Uma delas foi quando a dupla visitou uma Igreja gospel e o pastor lhes pediu para trazerem seus instrumentos e tocarem para a congregação. Mansour ficou visivelmente tocado e comenta sobre o fato de que, para a Igreja, o blues é a música do demônio, mas ainda assim eles deram as boas vindas para seus visitantes do Oriente Médio e desfrutaram do que eles tinham para oferecer através da música.

Ao longo da jornada, os libaneses se entusiasmam cada vez mais com a ideia de retornar para casa e ver aonde a experiência levará a sua música. Ao mesmo tempo, é possível sentir a confiança adquirida pelos artistas ao adicionarem elementos da música libanesa tradicional ao blues. O próximo álbum deverá ser um novo caminho de blues com um toque de Oriente Médio. O filme está disponível para ser visto online.

 


Confira o filme “Walk It Home” completo no link abaixo.
http://www.redbull.tv/videos/AP-1JWQNB2BS2111/walk-it-home


 

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Sobre a Autora:

Leila Lak é Jornalista, documentarista e chefe de reportagem da revista Diáspora.


 

 

 

 

 

 

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