Leila Lak entrevista o documentarista Felipe Ufo, autor de um filme sobre a crise de refugiados para a série “Que mundo é esse”.
Por Leila Lak
Em sua infância no Leblon, Felipe Ufo pensava que seria economista, quando um tsunami atingiu a Ásia, em 2004, e tudo mudou em sua vida. Ele foi até a região com alguns amigos surfistas para ajudar e filmar as consequências dessa terrível tragédia.
Enquanto a maioria dos voluntários foi para o Sri Lanka ou para a Tailândia, Felipe e seus parceiros foram para Banda Aceh, a cidade mais próxima ao epicentro do terremoto que provocou o tsunami e que, àquela época, se debatia em uma guerra civil. Eles escolheram esse lugar especificamente porque eram muito poucos os que foram para lá contar a história das pessoas que sobreviveram à tragédia.
Assim começou a jornada de Felipe como um dos principais documentaristas internacionais do Brasil, uma jornada que o levou a cobrir acontecimentos em uma grande parte do mundo, principalmente no Oriente Médio. Recentemente, ele fez um filme sobre a crise dos refugiados na Europa para a série “Que Mundo é Esse”, da Rede Globo. “Somos todos humanos e, quando eu vi na TV o que estava acontecendo lá, pensei: essa história está mal contada”, disse Felipe sobre sua decisão de ir para a Europa em outubro passado para cobrir a história dos campos de refugiados provisórios.
O foco de sua carreira tem sido a cobertura de histórias internacionais que estão ausentes na TV brasileira. Ele diz que há poucas notícias sobre o exterior na TV e, quando há, a Rede Globo, por exemplo, cobre o assunto com um repórter sentado num estúdio central em Londres ou em Tel Aviv, ao invés de fazer a cobertura no país em questão.
Apesar de o povo brasileiro ser um povo incrivelmente diverso, “um povo vira lata”, diz ele, “os brasileiros estão bastante desconectados do resto do mundo. Por exemplo, quando eu fui para o Irã, percebi o quanto estamos desconectados da realidade.” Ele fez amigos nos parques e foi apresentado a um Irã que ele nunca tinha visto na tela, um Irã onde os jovens gostam de se encontrar e se divertir, como no resto do mundo.
Depois da declaração de George W. Bush de que o Irã, o Iraque e a Coréia do Norte eram o Eixo do Mal, Felipe e seus parceiros resolveram ir até esses países para fazer filmes que mostrassem a vida das pessoas comuns. Em todos os seus filmes, ele mantém um estilo específico que ele chama de “mistura de jornalismo com reality show.” Ele nunca trabalha com um produtor local nas locações. Para fazer os contatos, ele usa as redes sociais, o Twitter e o Facebook. Ele diz que prefere descobrir as cenas que interessam a ele próprio e, portanto, também ao seu público, a depender de um produtor local que vai mostrar o país através dos seus olhos. Para ele, uma das cenas mais interessantes foi a de um mercado no Iraque, numa sexta-feira, onde as pessoas andavam à toa, como em qualquer país, uma cena tão comum e ao mesmo tempo tão significativa.
Seus filmes são direcionados para os jovens e eram parte da programação do Multishow. Em 2009, sua série sobre o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte foi considerada “o melhor filme da TV a cabo”.
A crise dos refugiados levou Felipe e dois de seus colegas para a Hungria, seguindo os refugiados através da Sérvia, da Alemanha e da Grécia, onde encontraram os refugiados que chegavam de barco da Turquia. Eles mostraram o drama de um afegão que havia perdido vários membros da família na viagem para a Europa, e de sírios que tinham deixado tudo e todos para trás ao fazer essa traiçoeira viagem. “Quando você conversa com essas pessoas, você percebe que elas têm muitas semelhanças com nossa realidade aqui no Rio. A Síria era um país pacífico”, disse ele. “Você pensa ‘Nossa, poderia ser eu fugindo, deixando minha família, minha cidade e meus amigos, levando uma mochila nas costas com muito pouca roupa, indo para um país que eu não conheço, com uma língua que eu não falo, e onde eu não conheço uma única pessoa.’ Isso faz com que você sinta melhor o que está acontecendo com eles. Eles realmente não têm escolha, têm de abandonar tudo.”
Felipe optou por seguir alguns voluntários europeus que ajudaram a montar os campos provisórios. Ele explicou que a situação mudava tão rapidamente que grandes organizações, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e o Médicos Sem Fronteiras, não conseguiam acompanhar a movimentação. Então, alguns grupos de voluntários de toda a Europa foram encarregados de acompanhar cerca de 50 ônibus de refugiados que estavam indo para um determinado local, ajudar a montar os campos provisórios e providenciar comida, enquanto os médicos atendiam as crianças e os doentes. “Estávamos em contato com muitas dessas pessoas, a maioria alemães. A maioria era de jovens. Fizemos contato pelas redes sociais, Facebook e Twitter. Fazíamos contato com eles por WhatsApp, que nos diziam para onde as pessoas estavam indo e, assim, podíamos seguir o movimento; isso nos ajudou”, contou.
Ao passar tanto tempo em locais tão diversos, Felipe desenvolveu um senso de perspectiva sobre como as situações mundiais são vistas pelo povo dos países afetados. Por exemplo, o fato de que a Hungria fechou suas fronteiras para os refugiados é visto por Felipe pela perspectiva da história húngara. Eles já foram o grande Império Austro-Húngaro mas, desde então, perderam grande parte do seu território para países vizinhos. Eles diz que, para essa população relativamente pequena, a ideia de abrir as portas para milhões de estrangeiros é apavorante. “Essa é a visão do governo. Mas quando você chega lá e encontra a população, vê muitos húngaros ajudando refugiados. Encontramos muitos voluntários húngaros.”
Quando Felipe e seus parceiros viajaram pela Europa, o que ele achou difícil foi não poder dar carona para os refugiados, que estavam a pé, porque é contra a lei. A maior parte das filmagens foi realizada à noite, em diversos campos. Eles sempre tentavam manter contato com os refugiados, chegando a visitar um deles na Alemanha em janeiro deste ano.
Ao longo do filme, a tragédia dos refugiados é palpável, mas também há foco nos voluntários que fizeram um grande esforço para dar as boas vindas aos refugiados e oferecer-lhes algum conforto em sua longa jornada. “O que nós realmente tentamos fazer neste documentário foi separar a visão dos governos e das pessoas”, disse Felipe.
A série “Que Mundo é Esse” está disponível na Globosat.
Sobre a autora:
Leila Lak é jornalista, documentarista e Chefe de Reportagem da REVISTA DIASPORA.