Por Monique Sochaczewski

 Nos últimos tempos, museus de última geração foram inaugurados no Brasil, com enorme sucesso. O Museu do Futebol, o Museu do Amanhã e o agora tristemente destruído pelo fogo Museu da Língua Portuguesa, entre outros, trouxeram para o Brasil um novo conceito de museu, em que a experiência, a reflexão que se desenvolve a partir da visita é tão ou mais importante do que o acervo exposto. O Museu da Imigração do Estado de São Paulo, criado originalmente em 1998 e reaberto em 2014 com uma roupagem mais moderna e interativa, pode certamente ser incluídoentre estes.

O museu está estabelecido no mesmo lugar onde funcionou a Hospedaria de Imigrantes, inaugurada em 1887, e que até 1978 recebeu mais de 2,5 milhões de recém-chegados de além-mar, e também de outras partes do Brasil, em busca de melhores condições de vida. Ele conta de maneira bastante sintética e atraente (com documentos, objetos, vídeos e depoimentos), em sua exposição permanente, tópicos da história da imigração no Brasil, as peculiaridades da travessia marítima, as fases da construção da Hospedaria do Brás, questões de migração interna, e conclui tratando de tópicos da imigração atualmente, bem como refletindo sobre o caráter global da cidade de São Paulo.

Há, porém, um silêncio ensurdecedor ali e é dele que quero tratar. Onde estão os árabes dos quais descendem os atuais governador do Estado e prefeito da capital de São Paulo, bem como o vice-presidente da República, o mais incrível escritor brasileiro (sim, assumo amar Milton Hatoum), e cerca de 7 milhões de brasileiros, para citar o número mais recente usado pelo Itamaraty quando da visita do chanceler Mauro Vieira ao Líbano em setembro último? Se for se levar em conta o que deveria ser o principal museu de imigração no Brasil, eles se encontram em fotos tímidas na parte final que apresenta  uma cidade cosmopolita de hoje e no livro “Sírios e libaneses. Narrativas de história e cultura”, de Oswaldo Truzzi, à venda na livraria do museu. Em mais nenhum lugar, pelo menos não que eu tenha visto, mesmo tendo buscado bastante.

O museu pretende tratar, sobretudo, do período da “grande imigração” (1880-1920), e acaba centrando-se naqueles que vieram de terras europeias ou do Japão. Estão ali largamente representados portugueses, espanhois, italianos, alemães e russos, com menções aqui e ali a gregos e croatas e aos atuais coreanos, bolivianos e paraguaios. O foco nos europeus e japoneses parece claro de explicar, porém. Tratou-se de imigrações estimuladas e mesmo subvencionadas pelos governos federal e estadual.

O declínio da mão-de-obra escrava e a ascensão da economia cafeeira fazia com que fossem necessários braços alternativos à lavoura, e foi o Estado que passou a controlar o processo imigratório. Se ajudassem a “embranquecer” o país, tanto melhor. Além da construção da hospedaria – em lugar estratégico, próximo ao cruzamento dos trilhos das ferrovias que então serviam São Paulo, como a Central do Brasil, vinda do Rio de Janeiro, e a São Paulo Railway, que vinha de Santos, sendo ambas cidades portuárias -, cuidava-se de propaganda oficial no exterior e passagens subsidiadas, e também das políticas de preço mínimo para o café. Na hospedaria passava-se o tempo médio de dois dias, em que cuidava-se de questões médico-sanitárias, mas sobretudo buscava-se trabalho. Ali funcionou também a Agência Oficial de Colonização e Trabalho, cuja principal função era o encaminhamento para empregos.

Os imigrantes oriundos do Império Otomano, sobretudo árabes cristãos, muçulmanos e drusos da Grande Síria (que englobam a Síria e o Líbano atuais); os judeus vindos também dessa região, mas também de Salônica, Esmirna e Istambul; e os armênios sobreviventes de massacres na parte oriental da Anatólia, não passaram por ali. Vieram com seus próprios meios e atuaram em grande medida no comércio, começando como mascates até chegar a comerciantes e mesmo industriais. Como ressaltou Mussa Chacur em depoimento publicado no livro “Memórias da imigração: libaneses e sírios em São Paulo”, de Betty Greiber, “todos vieram por conta própria (…) ninguém veio por conta do governo daqui, como, por exemplo, os que vieram trabalhar na agricultura”.

 No caso específico dos árabes, segundo Oswaldo Truzzi, vieram inicialmente temporariamente, para fazer um pé de meia e daí voltar para o Líbano e Síria com recursos para comprar mais terras e melhorar as condições da família. Acabaram ficando no Brasil, porém, e se espalhando por todo o território nacional. Popularizaram o quibe e a esfirra, deixaram sua marca no comércio, criaram um hospital de ponta, ganharam grande projeção política e, segundo consta, cerca de 4% da população brasileira é sua descendente. O Museu da Imigração do Estado de São Paulo, porém, apesar de declarações publicadas pela Agência de Notícias Brasil-Árabe em 2008 de que pretendia ampliar o acervo árabe e ser um “museu de todos os imigrantes”, manteve-se, mesmo após a longa reforma, um museu com muitos silêncios. Não só árabes, mas também judeus, armênios e chineses não figuram por lá.

Concluo aqui dizendo que vale muito ir ao Brás visitar o Museu da Imigração, passeando por suas exposições permanente e temporárias, checar novidades da lojinha, passear pelo jardim, andar de Maria Fumaça, e tomar uma bebida no charmoso café ao final. Agora, se for se levar em conta que o objetivo declarado do museu é de compreender e refletir sobre o processo migratório a partir das pessoas que passaram por aquele prédio, não tem como não se pensar também naqueles que não passaram por ali e nos porquês de não terem passado e do silêncio a esse respeito.

Para saber mais:

 

GREIBER, Betty Loeb et alli. Memórias da imigração: libaneses e sírios em São Paulo. São Paulo: Discurso Editorial, 1998.

“Memorial do imigrante quer ampliar acervo árabe”. Disponível em <http://www.anba.com.br/noticia/7430905/artes/memorial-do-imigrante-quer-ampliar-acervo-arabe/?indice=320>. Acesso em 13/1/2016

PAIVA, Odair da Cruz; MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

Sobre a autora:

 

 Monique Sochaczewski é doutora em História, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e colunista da REVISTA DIASPORA.

 

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