ilana-feldmanEntrevista com Ilana Feldman

Postado em 11 de dezembro de 2015 por anthroboycott 

[Essa entrevista apareceu originalmente em The Weave] http://weavenews.org/blogs/johncollins/14898/interweaving-ilana-feldman-aaas-israel-boycott-resolution

 

Recentemente, em uma reunião em Denver, membros da Associação Americana de Antropologia votaram amplamente em favor de apoiar uma resolução que chamava a AAA a boicotar instituições acadêmicas israelenses.
Após essa votação histórica, entrei em contato com Ilana Feldman, membro do grupo que comandou a iniciativa de passar a resolução.
Feldman é professora associada de Antropologia, História e Relações Internacionais da George Washington University, autora do livro recém-lançado Encontros de Polícia: Segurança e Vigilância em Gaza Sob Controle Egípcio (Stanford University Press), além de diversas outras publicações.
Segue abaixo a transcrição de nossa conversa, apresentada aqui como parte da minha série “Entrelaçamento” – conversas sobre assuntos globais contemporâneos.

JC: Quais foram os principais fatores que levaram você e outros acadêmicos a começar o processo de passar a resolução, aprovada recentemente na AAA?  

IF: A chamada para que a AAA boicote instituições acadêmicas israelenses é uma resposta ao Apelo por Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel, feito por mais de 170 organizações da sociedade civil palestina. Assim, esta é, em primeiro lugar e acima de tudo, uma ação em solidariedade à sociedade palestina, em geral, e a nossos colegas das universidades palestinas, em particular.
A campanha de boicote dentro da AAA desenvolveu-se a partir desse movimento mais amplo em reconhecimento a duas questões relacionadas:
1) As políticas repressoras de Israel em relação aos palestinos sob ocupação, a discriminação contra cidadãos do país e a negação dos direitos dos palestinos deslocados em 1948 e 1967 não só continuam acontecendo como se tornaram extremas nos últimos anos.
As iniciativas para mudar essas condições dentro da estrutura do chamado “processo de paz” e sob a bandeira do diálogo falharam completamente. A chamada do BDS reconhece a necessidade de novas estratégias políticas.
2) Os Estados Unidos e, portanto, os cidadãos americanos são profundamente cúmplices da violação dos direitos dos palestinos por Israel, por causa das enormes somas de dinheiro que nosso governo dá a esse país todos os anos e ao quase que inabalável apoio que dá a Israel em fóruns internacionais.
Como uma associação americana, cujos membros provêm de instituições americanas, a AAA tem a responsabilidade de se engajar nesse assunto.
Como antropólogos, temos compromissos de longa data com os direitos humanos e com o posicionamento ao lado dos povos oprimidos, por isso sentimo-nos obrigados a agir.

JC: A votação foi bastante expressiva – quase 90 por cento das mais de 1000 pessoas que votaram para decidir a respeito da resolução a apoiaram. Você esperava uma vitória assim?

IF: Obtivemos um grande envolvimento durante o longo processo de educação coletiva sobre as condições em Israel/Palestina e sobre a responsabilidade da antropologia de agir em vista dessas condições – juntamente com o fato de que mais de 1200 antropólogos assinaram uma petição indicando seu compromisso pessoal de boicotar as instituições acadêmicas israelenses – o que nos deu esperança de que o voto seria positivo.
Foi gratificante ver o resultado histórico da reunião de negócios – o número de participantes ultrapassou a capacidade da sala, que era de 1500 pessoas – e a solidez do apoio à resolução do boicote.
Ao longo desse longo processo deliberativo, ficamos impressionados com a seriedade com que a Associação – tanto os líderes quanto os membros – abordou a tarefa de compreender as questões em jogo, tanto em Israel/Palestina como em relação ao boicote.
As descobertas da força-tarefa realizada pela AAA foram um relato poderoso dos fatos que efetivamente acontecem, e uma chamada para a ação coletiva.
A força do apoio a essa resolução é consequência do processo de educação coletiva.

JC: E agora, o que vem a seguir?

IF: A aprovação da resolução na reunião de negócios coloca a resolução para ser votada por todos os membros.
Antes da votação, os oponentes, sem dúvida, tentarão desencorajar sua aprovação, como fizeram durante a preparação da reunião de negócios.
Estamos confiantes de que os membros da Associação aproveitarão esta oportunidade para reafirmar nossos melhores ideais, com nossa posição de apoio aos palestinos.

JC: Estou certo de que você está familiarizada com o relatório publicado pelo Centro de Direitos Constitucionais acerca da crescente onda de iniciativas por parte do que o CCR chama de “rede de organizações de advocacia, empresas de relações públicas e think tanks [incondicionalmente pró-Israel]” para intimidar os defensores dos direitos humanos palestinos em faculdades e universidades americanas.
Você tem ideia de como esse tipo de pressão externa afetou o debate na AAA?

IF: Toda vez que um questionamento à política de Israel é organizado, tentativas são feitas – frequentemente com um discurso de ódio – para intimidar as pessoas e fazer com que se calem.
Esses ataques normalmente assumem a forma de acusações espúrias de antissemitismo, ameaças a carreiras individuais (principalmente de acadêmicos iniciantes, vulneráveis) e de ameaças de interrupção das doações às instituições onde os críticos trabalham.
Temos evidências de que essas iniciativas foram organizadas em resposta à votação na AAA.
Minha impressão é de que, mesmo que haja mais dinheiro sendo dedicado a calar as críticas a Israel, está ficando mais difícil obter apoio a esses argumentos. As pessoas não estão dispostas a serem silenciadas.
Com certeza, precisamos estar alertas e apoiar os indivíduos e a Associação em vista dessas campanhas de intimidação.

JC: Um elemento comum em muitas dessas iniciativas de boicote, principalmente no ambiente acadêmico, é o aparecimento de moções alternativas que enfatizam a importância do “diálogo”.
Como isso funciona no caso da AAA e o que isso revela sobre o atual estado do sionismo liberal e seu horizonte político?

IF: No caso da AAA, os que se opõem propuseram uma contra-moção de rejeição ao boicote às instituições acadêmicas israelenses (e a qualquer boicote usado como tática política) com o argumento de se oferecer “diálogo” como forma de ação alternativa.
Ao rejeitar totalmente essa proposta (196-1173), os membros reconheceram sua verdadeira característica: uma chamada para a inação e um apoio ao status quo, disfarçado de ação “moderada”.
Não somente o diálogo do tipo promovido pelo “processo de paz” falhou completamente, como a chamada anti-boicote e pró-diálogo foi apresentada por um grupo que: não incluía palestinos, rejeitou o Apelo da Sociedade Civil Palestina por Boicote e, além disso, parecia acreditar que o diálogo deveria ocorrer em instituições israelenses das quais a maioria dos palestinos – aqueles dos territórios ocupados e em exílio – está completamente banida.
Somente do ponto de vista de alguém que não dá valor igual aos palestinos é que se pode acreditar que essa proposta seja factível, e os membros reunidos da AAA não acreditam nisso.

JC: Na sua opinião, como é que essa resolução se encaixa na história da disciplina e da AAA? Chegará o tempo em que veremos a aprovação dessa resolução como um marco na história?

IF: A  AAA tem uma longa história de assumir posições – inclusive engajando-se em boicotes – em apoio ao seu compromisso com os direitos humanos, posicionando-se ao lado dos povos oprimidos.
Também tem uma longa história de dificuldades para lidar com assuntos do Oriente Médio, de modo geral, e de Israel/Palestina, especificamente.
Portanto, esta decisão pelo boicote é coerente com nossas melhores tradições e é uma indicação de que estamos nos movendo coletivamente, ultrapassando alguns limites históricos de nossa capacidade, para estar à altura dessas tradições.
Acredito de verdade que, no futuro, veremos essa decisão – e o que eu espero que seja a adoção do boicote por todos os membros – como um momento muito significativo na história da AAA.
A decisão em si é histórica, e o cuidadoso processo deliberativo através do qual chegamos a este momento, serve como modelo para nosso engajamento em outras causas importantes.

 

Sobre a autora:

 

Ilana Feldman, professora de antropologia, história e assuntos internacionais no Colégio Colombiano de Artes e Ciências. Ela é uma antropóloga cultural e histórica que trabalha no Oriente Médio. Sua pesquisa se concentrou na experiência palestina, tanto dentro como fora da Palestina histórica, examinando práticas de governo, humanitarismo, policiamento, deslocamento e cidadania.

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