Leila Lak entrevista Pedro Charbel, o coordenador do BNC – BDS Comitê Nacional para a América Latina.

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Por Leila Lak

Leila Lak é Jornalista, documentarista e chefe de reportagem da revista Diáspora.

Pedro Ferraracio Charbel, um brasileiro com inglês quase perfeito, apesar de um leve sotaque, encontrou-se comigo na cafeteria do primeiro andar do majestoso Cine Odeon, na esquina da Cinelândia. Nesse edifício com uma gloriosa arquitetura art-déco, ao suave som de Chopin, discutimos o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) no Brasil. Mesmo sentados do outro lado do mundo, o conhecimento e a paixão de Pedro pelo Oriente Médio fizeram com que essa região parecesse muito próxima.
 
O movimento BDS começou em 2005, quando a sociedade civil palestina fez um apelo às pessoas para que boicotassem empresas específicas que estivessem ativamente ganhando com a ocupação de suas terras. Desde então, o movimento cresceu e ganhou alcance mundial buscando três metas claras, acabando com a ocupação israelense das terras palestinas para além das fronteiras de 1967. A segunda meta é reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos de Israel até que se atinja igualdade total e o direito de retorno dos refugiados palestinos.

Pedro argumenta que o BDS exerce muita atração na América Latina porque está claramente ligado aos direitos humanos e não atrelado às especificidades de um ou dois estados ou coisa semelhante.

Os líderes do BDS em todo o mundo também enfatizam que é um movimento inclusivo não-racista e acreditam que esse é o ponto chave do sucesso em todo o mundo. Embora aqueles que se opõem ao BDS argumentem que, de acordo com sua definição, ele é um movimento antissemita, e a própria definição de Israel como um Estado de apartheid é, em si mesma, antissemita.

Pedro tem raízes libanesas, mas seu envolvimento com a região veio de seus estudos e de uma viagem que ele fez à Cisjordânia em 2011 como observador internacional, retornando com energia renovada para ajudar o movimento BDS, com o qual já estava ativamente envolvido. Hoje, ele é o coordenador do BNC – BDS National Committee (Comitê Nacional BDS) para a América Latina. Ele é responsável por coordenar campanhas na América Latina e estabelecer ligações entre os movimentos sociais nesta região e nos Territórios Ocupados.

“A sociedade civil brasileira e, em geral, os movimentos sociais e partidos políticos de esquerda sempre estiveram ligados à questão palestina porque, na América Latina, nós entendemos bem o que significa colonização, estado de exceção, abusos do Estado, militarismo, e limpeza étnica de população nativa. Assim, temos ligações ontológicas e históricas com a luta palestina”, diz ele.

Apesar da distância geográfica entre o Brasil e o Oriente Médio, Pedro acredita que essas ligações significam que os movimentos sociais da América Latina têm relação com a questão palestina. Ele admite que, dada a distância e a ausência de uma grande diáspora palestina na região, essa questão parece um pouco distante para o público em geral.

“Como as empresas israelenses e outras empresas ligadas a Israel estão perdendo contratos na Europa e nos EUA, elas estão migrando os negócios para a América Latina, principalmente para o Brasil.” Ele acha que isso se deve ao sucesso do movimento BDS na Europa e nos Estados Unidos. O Brasil é um comprador chave de armamento israelense e, de acordo com o movimento BDS e outros movimentos ativistas, o Brasil é o 5º maior comprador de armamentos israelenses de todo o mundo.

“Então, não é que não estejamos conectados à questão palestina”, diz Pedro, “nós estamos diretamente financiando o sistema de opressão e colonialismo que mantém essa situação.”

Pedro usa o exemplo da ISDS, empresa israelense que treina o BOPE aqui no Rio de Janeiro. Ele diz que esse é um bom exemplo de como o governo brasileiro usa a tecnologia que Israel desenvolve a partir da “tragédia do povo palestino e da violação de seus direitos humanos para nos oprimir e matar jovens negros e pobres. Assim, as conexões entre eles e nós são muito fortes.”
 
A primeira vitória do BDS na América Latina foi em 2014, quando Buenos Aires cancelou um contrato com a empresa de água israelense Mekorot devido à pressão do BDS. O BDS e outras organizações de Direitos Humanos usaram o argumento de que a Mekorot estava planejando exportar para a Argentina suas políticas de água discriminatórias desenvolvidas na Cisjordânia. Entre as campanhas bem-sucedidas na América Latina está a suspensão de um contrato de pesquisa assinado entre o Rio Grande do Sul e os sistemas Elbit, que são os criadores dos sistemas drone usados contra os territórios palestinos.

Houve outras campanhas de sucesso, mas a que mais chamou a atenção foi por ocasião da visita de Caetano Veloso e Gilberto Gil a Israel, tornando-se um debate público noticiado pelos maiores jornais do Brasil. 

Quando eles estavam se preparando para ir, Pedro e outras pessoas que trabalham com o BDS começaram a campanha “Tropicália não combina com Apartheid”. Eles sentiam que dois artistas que haviam sido porta-vozes de protestos e de engajamento politico deveriam considerar as linhas de piquete construídas pelos palestinos em suas lutas. Eles escreveram aos dois artistas pedindo uma conversa. Outras grandes vozes a favor do BDS também escreveram aos artistas, inclusive o Arcebispo Desmond Tutu, Paulo Sérgio Pinheiro e Roger Waters, todos pedindo a eles que não fossem.

“Houve grande pressão pública e havia um bom diálogo,” diz Pedro. “Infelizmente, eles foram mesmo assim e se apresentaram, o que quebrou o piquete que os palestinos tinham estabelecido. É como se eles tivessem ido à África do Sul durante o apartheid e tivessem se apresentado lá.”

Quando Caetano voltou, escreveu uma carta aberta criticando o Estado de Israel e disse que acreditava que nunca mais voltaria a Israel se o status quo atual não mudasse. Esse acontecimento aumentou a consciência sobre a campanha BDS no Brasil.

“Sem dúvida, quando escreveu a carta ao retornar, Caetano contribuiu para o processo pedagógico pelo qual todos temos de passar. Nós convidamos artistas a irem até lá e ver o que acontece antes de decidirem se apresentar.”

A retórica de Pedro não pede desculpas. Ele se refere a Shimon Peres, antigo Primeiro Ministro de Israel e um ganhador do Prêmio Nobel da Paz como um “criminoso de guerra”, e a Tel Aviv como a capital do apartheid.

 No mundo todo, as pessoas que trabalham com o movimento BDS de perto dizem que o alvo são as relações institucionais, não os indivíduos. Os alvos não são apenas as empresas e o boicote cultural, mas também o boicote acadêmico. Esses numerosos críticos dizem que é hipocrisia quando Omar Barghouti, o fundador do movimento, cursa seu PhD na Universidade de Tel Aviv.

“Esse tipo de argumento vê o BDS como um movimento dogmático, e ele não é,” diz Pedro, defendendo a decisão de Barghouti de estudar lá. “Os palestinos que vivem dentro do território de Israel compram produtos israelenses e vão a universidades israelenses. Isso não é um problema, pois o BDS não é dogmático e não pretende boicotar absolutamente tudo, pretende sim escolher seus alvos e acabar com as instituições cúmplices. É isso o que nós, de fora, podemos fazer. Se você mora em Israel e na Palestina, você não tem, até certo ponto, muitas opções de compra de produtos ou de acesso a serviços, mas se você está fora, não pode ser cúmplice. É possível para você não financiar essas violações.”

Ele diz que essas críticas, assim como as recentes leis do Reino Unido que tornaram ilegal o boicote de mercadorias israelenses, são tentativas de deslegitimar o movimento e um claro sinal de que ele tem impacto. Por outro lado, Pedro diz que o movimento continuará a crescer nesta região, assim como em outras. Mas como todos os que trabalham com o BDS dizem, eles definiram metas e “o BDS tem uma data de validade, existe para não precisar existir mais.”

 

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