Liza Dumovich traz ensaio fotográfico sobre as refeições do Ramadan na Turquia, período de intensa religiosidade e convivialidade entre os muçulmanos

Por Liza Dumovich

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amadan é o nome do nono mês do calendário islâmico, quando os muçulmanos se entregam ao jejum desde a aurora até o pôr-do-sol. A abstenção não se limita a alimentos e inclui bebidas, relações sexuais e, como esclareceu uma autoridade religiosa certa vez, “qualquer coisa que toque o estômago”. Estão dispensados do jejum grávidas, crianças, doentes, idosos e viajantes.

Foi durante o Ramadan do ano de 610 AD que se iniciou a revelação divina ao Profeta Muhammad, conferindo o caráter sagrado a esse mês. Embora, segundo a tradição islâmica, o objetivo do jejum seja de disciplinar o self através do controle dos impulsos e desejos, os significados que ele toma para os fiéis são mais abrangentes. Para alguns, a privação produz um sentimento de solidariedade do fiel por aqueles que não têm o que comer durante todo o ano, quando experimentam a realidade dos pobres; para outros, ela lembra o quanto Deus é bom e generoso, ao proporcionar-lhes uma vida abastada; enquanto para outros, ainda, o jejum os aproxima do próprio Profeta, que adotou essa prática e não apenas nesse período.

Mas esse mês especial para os muçulmanos é também um período de intensificação e publicização da religiosidade, quando as mesquitas ficam abarrotadas e mesmo muitos muçulmanos não praticantes participam da vida religiosa. Porém, na Turquia, como em outros países de maioria muçulmana, a introspecção diurna cede lugar a um clima festivo ao anoitecer, quando as interações sociais se revigoram. O pôr-do-sol traz um colorido à vida social, que se intensifica com passeios pelas águas do Bósforo, idas a cafés e restaurantes, compras de roupas, comidas e ingredientes tradicionalmente consumidos no Ramadan, e visitas a parentes, amigos e vizinhos.

A reconhecida hospitalidade turca é outra prática que se exacerba durante esse mês, como tive o privilégio de constatar no último Ramadan, que esse ano caiu entre os dias 6 de junho e 5 de julho no calendário gregoriano. A convivialidade à mesa se divide em dois momentos: o sahur, logo antes da aurora, que compreende a última refeição antes do nascer do sol, e o iftar, verdadeiro banquete de quebra do jejum, assim que o sol se põe. É bastante comum realizar o iftar em espaços públicos, como restaurantes, enquanto o sahur é, na maioria das vezes, cumprido em casa. Como o intervalo entre a aurora e o pôr-do-sol no hemisfério norte, nessa época do ano, é muito grande, as duas refeições eram feitas num pequeno espaço de tempo, levando algumas pessoas a permanecerem na rua durante todo o período, voltando à casa para dormir somente de manhã, após o sahur.

Cumpri a trajetória pública de cafés, restaurantes e lojas, mas foi na esfera privada onde conheci os sentidos do Ramadan turco. Em Istambul, Hatay e Kayseri, fui recebida por famílias muçulmanas devotas que consideram a visita uma dádiva divina: ela é a oportunidade que Deus lhes concede de honrar a sua casa. Por isso, a visita é acolhida da melhor maneira possível, coberta de carinhos que se traduzem em mimos, presentes e, sobretudo, no trabalho das mãos femininas.

Da experiência do Ramadan na Turquia, a memória mais marcante é dos sabores, aromas, texturas, formas e cores dos alimentos transformados pelas mãos de minhas anfitriãs. A atenção que elas dispensavam à qualidade (e quantidade!) dos ingredientes, à forma de preparo, à reprodução fiel do prato típico local que deveriam me apresentar, tomava grande parte de seu tempo, seu orçamento e mesmo sua casa. Ao longo do dia, nas cozinhas e salas, as mãos das mulheres, mães e filhas, preparavam o prazer dos sentidos para a visita, afortunada visita.

Alguns desses momentos, do sahur ao iftar, estão retratados nas imagens deste ensaio. Deleitem-se!

Sobre a autora:

Liza Dumovich é Antropóloga e Coeditora da Revista DIASPORA.
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