Tiago Duarte Dias mapeia a geopolítica nos campos de futebol russos e marca as articulações entre o esporte e a política no campeonato mundial de 2018  

Tiago Duarte Dias

Muito se tem falado sobre o potencial impacto que o jejum do Ramadan poderia ter entre os atletas de países de maioria muçulmana e o desempenho do mesmos nos gramados russos. Porém, para quase todos, as preocupações são diferentes. Em primeiro lugar, o Ramadan acabou, oficialmente, na quinta-feira, dia do jogo de abertura da Copa, entre Rússia e Arábia Saudita, logo, excetuando esse mesmo jogo, todos os países muçulmanos jogariam sem se preocupar com os possíveis efeitos do jejum nas suas performances esportivas. Entretanto, para todos os outros, as preocupações esportivas – derivadas ou não da geopolítica atual – seriam mais importantes e mais urgentes. Nesse torneio, temos um número grande de países do Oriente Médio/Norte da África: Arábia Saudita, Egito, Marrocos, Irã, Tunísia. Nesse texto abordaremos 3 deles: Arábia Saudita, Egito e Irã. Em primeiro lugar, a partida de abertura, conforme dito anteriormente, confrontaria a seleção da casa com a seleção da Arábia Saudita, em um clássico entre países cujos líderes são extremamente bem quistos pelo atual e peculiar presidente norte-americano. Fora de campo, russos e sauditas têm discordâncias, especialmente frente ao poder e à influência que vêm de Teerã, especialmente no conflito civil sírio. Nada disso, entretanto, pareceu incomodar Vladimir Putin e o Rei Salman enquanto ambos assistiam ao jogo em um clima bastante amistoso. Dentro de campo, porém, o jogo demonstrou de maneira bastante clara a fragilidade da equipe saudita, provavelmente a equipe mais fraca de toda a competição. Mesmo estando 3 posições acima dos rivais russos no Ranking Mundial da Fifa, a equipe saudita foi completamente desmantelada por um time russo que também não é especialmente bom e perdeu por 5 x 0. A Copa do Mundo para os torcedores sauditas deve terminar após 3 jogos e, muito provavelmente, sem nenhuma pontuação. No outro jogo do grupo, que ocorreu no dia seguinte, uma sexta-feira, o Egito enfrentou o Uruguai. A seleção egípcia tem, ao longo dos anos, duas tradições. A primeira é sempre ir bem nas Copa de Nações Africanas, na qual são os maiores vencedores, com 7 troféus. A segunda é não se classificar para a Copa do Mundo, sempre tropeçando nas eliminatórias e participando somente da Copa de 1934 e de 1990. Vinte e oito anos após sua última participação, o Egito, para alegria de sua população, conseguiu se classificar para o torneio na Rússia. E tudo graças a um homem: Mohamed Salah. Graças às suas atuações, tanto pela seleção, quanto pela sua equipe, o Liverpool, o simpático Salah tornou-se um dos homens mais populares do Egito e também da cidade dos Beatles. Uma lesão, entretanto, quase o impediu de participar da Copa do Mundo. Durante a final da Liga dos Campeões, em um lance com o zagueiro espanhol Sergio Ramos, Salah teve uma luxação no ombro e, por muito tempo, pareceu que sua participação na Copa do Mundo não seria possível. Contrariando diversos prognósticos médicos mais conservadores, Salah está presente no elenco, mesmo não tendo participado da derrota contra os uruguaios na estreia do país pelo placar de 1 x 0. No segundo jogo do grupo, contra os anfitriões, Salah estará, muito provavelmente, presente. Já no Grupo B, duas das nações citadas também estão envolvidas: Irã e Marrocos. O futebol persa, fora de campo, tem chamado a atenção, tanto pelos protestos de mulheres para poderem ser admitidas nos estádios ao redor do país, com filmagens de torcedoras vestidas de homens para poderem entrar viralizando na internet, quanto pela não entrega súbita de chuteiras por parte de uma famosíssima empresa de esportes norte-americana, patrocinadora de alguns atletas da equipe, devido à retirada dos EUA dos acordos nucleares com o Irã. Dentro de campo, um jogador marroquino marcou, aos 45 minutos do segundo tempo, porém marcou no gol errado, e o Irã levou os 3 pontos para casa, em um grupo que também conta com Espanha e Portugal, que empataram em 3 x 3 no outro jogo da chave. Provavelmente, nenhuma das duas – Irã ou Marrocos – conseguirão avançar nas oitavas, mas independente do que ocorrer, a seleção iraniana voltará para casa, no mínimo, com sua segunda vitória na Copa do Mundo. A primeira? Um 2 x 1, na cidade de Lyon e  contra os EUA.

Sobre o autor:

Tiago Duarte Dias possui graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense e mestrado em Antropologia pela mesma instituição, onde atualmente cursa o Doutorado em Antropologia. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, Etnicidade, Comunidades em Diáspora, Identidade Curda e Imigração na Dinamarca.
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