Revista Diáspora
Este artigo foi escrito por um colaborador convidado e reflete apenas as visões do autor.

Em “A influência da mídia na construção da identidade palestina”, a jornalista Maura Silva ressalta a importância de rever maniqueísmos entre Oriente e Ocidente presentes nas manchetes e notícias.

Maura Silva

“Terrorista”, “facção”, “homem-bomba” são termos comumente usados nas manchetes de jornais para fazer referência à resistência palestina. Essas palavras constroem no imaginário uma identidade palestina forjada nas fundamentações apresentadas nestas narrativas.

Criar uma narrativa de um Oriente que seja a inversão do Ocidente obedece ao princípio básico dessa oposição.  Essa organização  mesmo que simbólica é fundamental para dar sentido à contraposição dos polos positivo e negativo. Não é difícil concluir que este último ocupa maior espaço nas narrativas midiáticas apresentadas por jornais, TVs e revistas, ao analisarmos rapidamente as notícias.

“Homem-bomba” é um termo comumente usado nas manchetes de jornais para fazer referência à resistência palestina. Palavras como essa contribuem para a construção de um imaginário no qual uma identidade palestina é forjada sob narrativas negativas de um Oriente que é inversão do Ocidente.

Além disso, quando a mídia cria rótulos para as ações ocidentais no Oriente, nomeando-as como “cruzada contra o terror” e “luta contra o terrorismo”, contrapõe o laicismo democrático ocidental ao fundamentalismo religioso oriental sem explicar e esclarecer as relações entre símbolos religiosos, figurações políticas e demarcações geográficas da região e do conflito.

Segundo Edward Said (2001), o conjunto de saberes produzidos pela inteligência ocidental a respeito do chamado Oriente constitui uma instituição com um discurso próprio, o orientalismo, cujo objetivo é controlar, silenciar e dominar seu objeto, missão indissociável do empreendimento colonialista-imperialista da Europa. Para o autor, é, acima de tudo, um discurso que não está de maneira alguma em relação direta, correspondente, ao poder político em si mesmo, mas que antes é produzido e existe em um intercâmbio desigual com vários tipos de poder (SAID, 2001, p. 15).

Não sem razão, o islã passou a simbolizar o terror, a devastação, o demoníaco, as hordas de odiosos bárbaros. Para a Europa, o islã era um trauma duradouro. Até o fim do século XVII, o “perigo otomano” espreitava ao lado da Europa, representando para o conjunto da civilização cristã um perigo constante. Com o tempo, os europeus incorporaram esse perigo e seu saber, seus grandes acontecimentos, figuras, virtudes e vícios como algo que fazia parte da trama da vida (SAID, 2001, p. 69-70).

A mídia não apresenta a realidade, mas uma disposição que possibilita ao sujeito criar modos simbólicos de representação da sua conexão com a realidade. Em grande medida, formata a historicidade que atravessa e constitui o sujeito, interpelando-o incessantemente através de linguagens verbais e não verbais, garantindo rearranjos e projeções próprias.

A mídia não apresenta a realidade. É preciso compreendê-la como uma disposição que possibilita ao sujeito criar modos simbólicos de representação da sua conexão com a realidade.

Douglas Kellner (2001) apresenta, em seu livro “Cultura da mídia”, um amplo debate sobre o poder da mídia, em particular o de modelar os indivíduos. Um dos principais temas tratados por ele é o modo como as culturas veiculadas pelas diversas mídias influenciam as pessoas a se identificarem com as ideologias, posições, representações sociais e políticas dominantes. Para Kellner, a cultura da mídia, também fornece o material com que muitos indivíduos constroem o seu senso de classe, de etnia e raça (KELLNER, 2001, p. 9-11).

Essa subjetividade é construída no registro social, através da reapropriação e singularização das diversas maneiras de ser. Inserida na rede de discursos que modelam a história do presente, a mídia é uma eficaz fonte de produção de subjetividades para o bem e para o mal, logo, o discurso não é feito quando se quer, nem são feitas declarações no seu interior sem que antes se pertença – em alguns casos inconscientemente, mas de qualquer modo involuntariamente – à ideologia e às instituições que garantem a sua existência. Estas últimas são sempre instituições de uma sociedade avançada que lida com outra menos avançada, de uma cultura forte que encontra uma mais fraca. A característica principal do discurso mítico é que ele oculta as próprias origens, bem como as daquilo que descreve. “Os árabes” são apresentados como a imagística de tipos estáticos, quase ideais, nem como criaturas em processo de serem realizadas nem como história sendo feita (SAID, 2001, p. 325).

Ao pensarmos os meios de comunicação e seu deslocamento dos modos de subjetivação, formação de preconceito e controle, é preciso perceber que, no processo enunciativo, a mídia precisa ponderar as distinções entre fato e espectador da notícia. A imparcialidade e a liberdade de expressão não devem nunca ser objeto de difusão de informações que causam segregação da população, em razão da persuasão e manipulação que essa parcialidade provoca.

 

Para saber mais:

Referências

FISCHER, Rosa Maria. Televisão e educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntico, 2003.

KELLNER, Douglas. Cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.

SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

Sobre a autora:

Maura Silva é jornalista, especializada em direitos humanos. Estuda a temática árabe-palestina há sete anos. Autora do projeto que deu origem ao livro: “A noiva é bela, mas está casada com outro homem”, que retrata a situação vivida por refugiados palestinos no Brasil. Integrante do Rabet, grupo de apoio à causa palestina. Atualmente é jornalista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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