Folhas de dispersão
Um poema de Noha Khalaf
Leaves of dispersion ‘awraq al shatat’
This is not a collection of poems
These are just scattered leaves
Lost in airports, highways, ports and alleys.
I have tried to save some of them from the destruction of tanks
Some drowned in the depths of the seas
Others were torn under the dust.
These leaves pursue me at all times
Like an unending falling rain
They carry me away with the wind,
Then their weight pulls me down into shifting desert sands.
I carried a few in bags made of rags
Through the cities of my exile.
My back was bent and the bags were ripped
The leaves faded, burned by the rays of the sun
Melted in blood ponds.
Swallowed by time
These precious leaves carry with them
All the episodes of my life
All the secret loves,
All the unsolved mysteries,
And the novel of a scattered path
A history of unending dispersion.
Precious leaves, I have preserved all that remains of you,
My only possession, locked in a closed room.
Trapped in a whirlwind under the dust
You formed a mountain of sand.
My story then became a puzzle,
Telephone bills, gas bills
Pages from my old memoirs,
Copies of ancient birth certificates
Unused airline tickets,
And half a notebook of my first poems
Facing me with the most serious dilemma:
Should I plunge into my memory?
To recompose all its pieces
Or should I dive into the tons of dust
To find its other half.
Should I finally reconstruct all the parcels of my life?
By putting order in these scraps of paper
Or should I burn them all
Before their heavyweight crushes
And scares after my death
The heirs of my fate.
Precious Leaves
Parts of my life
Primary witnesses of my lonely exile,
Dusty leaves,
I shall write my will
And plant it as a banner
On the summit of the mountain of dust:
Let my coffin be weaved by these murderous leaves,
With flowers confected by the remains of colored papers
And a kite composed of these flowers
To carry my soul, through land and sea,
Letting the wind disperse it again
As it had once dispersed my life.
Translated from Arabic (From my collection ‘Awraq al Shatat’ published in Tunis 2002)
Folhas de dispersão
Isto não é uma coleção de poemas
Isto são folhas espalhadas
Perdidas em aeroportos, rodovias, portos, vielas.
Tentei salvar algumas da destruição dos tanques
Algumas se afogaram no mar
Outras se rasgaram na poeira
Estas folhas me perseguem
Como uma chuva sem fim
Elas me carregam com o vento
Até que seu peso me arrasta por areias movediças.
Carreguei algumas em sacos de pano
Pelas cidades do exílio
Minhas costas curvadas os sacos rasgados
As folhas desbotaram, queimadas pelo sol
Desmanchadas em poças de sangue
Engolidas pelo tempo
Estas folhas carregam
Todos os meus episódios
Todos os amores
Todos os enigmas
E a novela de uma via difusa
História de dispersão sem fim.
Preciosas folhas, preservei tudo o que lhes resta,
Minha única posse, trancada num quarto.
Presas num turbilhão de poeira
Formaram uma duna.
Minha história então virou um puzzle
Contas de telefone, gás
Páginas das minhas memórias
Cópias de certidões de nascimento
Bilhetes aéreos vencidos
E meio caderno de primeiros poemas
Me encarando com o mais sério dilema:
Devo submergir na memória?
Para recompor seus pedaços
Ou mergulhar nas toneladas de poeira
Encontrar sua metade.
Devo finalmente reconstruir as partes da vida?
Pondo ordem nesses pedaços de papel
Ou devo queimá-los
Antes que seu peso esmague
E assuste após minha morte
Meus herdeiros de sina.
Preciosas folhas
Partes da vida
Testemunhas primeiras do meu exílio,
Folhas secas
Escreverei meu testamento
E o fincarei como um banner
No pico da montanha de pó:
Meu caixão seja feito das folhas assassinas
Com flores de restos de papeis coloridos
E uma pipa feita dessas flores
Para carregar minha alma
Deixando que o vento a disperse
Como uma vez dispersou minha vida
(Da coleção ‘Awraq al Shatat’, publicada na Tunísia em 2002)