Beirute, 9 de maio de 2018. Pela primeira vez em quase dez anos, os libaneses saem as ruas para escolher os seus representantes no parlamento nacional. Após diversos adiamentos que começaram em 2013, uma geração inteira de libaneses pode finalmente postar fotos com os dedos sujos de tinta recém-saídos das seções eleitorais. “É a primeira vez que eu votei e já tenho 26 anos”, afirmou Salwa, que vota em Trípoli, segunda maior cidade do país.

Diego Gebara 

O voto da Diáspora

 Além dos jovens, outro grupo que foi às urnas pela primeira vez é composto pelos milhares de libaneses espalhados pelos quatro cantos do mundo, inclusive no Brasil. O Ministério das Relações Exteriores fez uma grande campanha para atrair a diáspora a votar nos consulados libaneses em diversos continentes. Desde o ano passado, cartazes no Aeroporto Internacional do país anunciavam a novidade para os milhares de libaneses expatriados de passagem por Beirute. O voto da Diáspora, às vezes tida como mais progressista pelo senso comum do país, não teve a força de mudança esperada. O Beirut Report, site que produziu diversas reportagens independentes sobre a eleição, destacou o enorme número de apoiadores dos tradicionais partidos e líderes libaneses mundo afora: “No Brasil, as eleições foram basicamente uma festa do Movimento Patriota Livre”, partido liderado pelo atual presidente, o cristão-maronita Michel Aoun. Em Berlim, o destaque foi para os diversos eleitores com bonés do movimento xiita Amal, que dividiam o espaço ao redor da embaixada com alguns apoiadores da Corrente do Futuro, do sunita Saad Hariri. 

Paula Yacoubian e Joumana Haddad: o voto independente feminino

Um dia antes da eleição, a Revista Diáspora publicou algumas fotos da Marcha do 8 de Março em Beirute desse ano, onde se destacou o crescimento do movimento feminista no país e o aumento expressivo no número de candidatas ao pleito. No final, 6 mulheres foram eleitas deputadas, o dobro do último parlamento, mas ainda muito pouco comparado ao total de 128 cadeiras. 

Nesse caso, os fatos mais surpreendentes foram, respectivamente, a eleição da jornalista Paula Yacoubian e a quase-eleição da ativista feminista e secularista Joumana Haddad. Ambas faziam parte da Kulluna Watani, lista independente que uniu candidatas e candidatos oriundos da sociedade civil e avessos aos tradicionais partidos políticos. Esse movimento na direção de uma organização política longe dos tentáculos dos velhos coronéis libaneses ganhou força há dois anos, quando o movimento independente, secular e feminista Beirute Madinati ficou em segundo lugar nas eleições municipais de Beirute.

Dessa vez, a mídia libanesa dava como certa a vitória de Paula e Joumana. Porém, durante a madrugada os resultados oficiais do Ministério do Interior contradiziam as projeções e a cadeira de Joumana acabou indo para outro candidato. A derrota de Joumana gerou uma das manifestações mais espontâneas do dia seguinte à eleição, quando a candidata convocou seus apoiadores às ruas e fez um apaixonado discurso em meio aos setores mais progressistas da capital. Em junho, ela recorreu do resultado no Conselho Constitucional e, desde então, continua sendo uma crítica ferrenha ao governo em suas redes sociais e ativismo político. A vitória de Paula e a quase-vitória de Joumana confirmam a tese de que as mulheres são responsáveis por grande parte da crescente força do campo independente e progressista libanês.

As horas de tensão pós-pleito: a vitória do Hezbollah em Beirute 

O anúncio dos resultados da primeira eleição nacional libanesa em nove anos causou alguns confrontos entre apoiadores de diferentes partidos políticos tradicionais, e um deles chegou a causar a morte de um apoiador do Partido Socialista Progressista, comandado pelo líder druzo Walid Jumblatt. Porém, a maior tensão pós-eleitoral aconteceu em Beirute, onde um deputado da coligação entre os partidos xiitas Hezbollah e Amal obteve mais votos que o atual primeiro-ministro sunita Saad Hariri.

A nova lei eleitoral, aprovada em 2017, acabou unindo em um mesmo distrito o sul da capital, tradicionalmente de maioria xiita e o oeste da capital, um dos currais eleitorais dos Hariris. Após a confirmação do elevado número de votos xiitas na região, grupos foram às ruas celebrar a vitória em Beirute, e tentaram enrolar uma bandeira do Hezbollah na estátua de Rafic Hariri, pai do primeiro-ministro Saad Hariri morto por uma explosão em 2005. Felizmente, o alarde não rendeu maiores consequências, mas fez com que o Ministro do Interior proibisse parcialmente o uso de motocicletas na capital durante três dias.

Dois meses após o pleito, ainda seria precipitado avaliar o que de fato mudou na política libanesa. Ao considerar apenas os números de deputados eleitos, constata-se que a força política de Saad Hariri foi afetada principalmente após a conturbada renúncia temporária ao cargo em solo saudita em 2017 e que o apoio ao Hezbollah, protagonista do combate ao ISIS nas fronteiras libanesas, se mantém elevado com a ajuda da aliança com o Amal. É importante ressaltar ainda que, entre os partidos cristãos, existe um certo fortalecimento das Forças Libanesas no atual pleito, partido mais crítico ao Hezbollah do que o Movimento Patriota Livre, do atual presidente Michel Auon. 

Nove anos em um dia

Porém, nada disso significa mudanças imediatas na arena política. Infelizmente, o complicado sistema político libanês e o discurso sectário que prega o poder pelo poder e o “vote em mim porque eu sou o único verdadeiro representante dessa religião ou desse grupo” limitam muito o debate sobre os reais problemas do país.

Finalmente, é preciso dizer que não foi à toa que essas eleições demoraram nove anos para acontecer. Os líderes libaneses sabem muito bem que o seu país atravessa diversas mudanças, o que coloca em risco a manutenção de qualquer cenário político quando a oportunidade é dada. É impossível resumir nove anos em um dia.

Por esse motivo, debates importantes como direito de minorias (principalmente mulheres e refugiados), melhorias nos serviços públicos como coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica, além da valorização do meio-ambiente, do direito à educação e das liberdades individuais dificilmente terão como força principal o parlamento. É nas ruas das cidades do país e na frustração dos habitantes do Líbano com mais do mesmo que mudanças estão acontecendo: da organização de empregadas domésticas que lutam pela legalização de seu sindicato, à histórica luta dos refugiados palestinos pelo reconhecimento de sua cidadania e à crescente conscientização da população sobre os direitos das mulheres e LGBTs. Esses são alguns exemplos de como a democracia libanesa se manifesta no dia-a-dia nesse pequeno, mas importante, país árabe.

Sobre o autor:

Diego Gebara é descendente de sírios e libaneses. Jornalista formado pela ECO-UFRJ, trabalhou com o Universal Channel, SyFy e Al Jazeera English.
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